segunda-feira, novembro 05, 2007

"É a inflação, estupido"

Uau! 3,9% de crescimento. 116 mil novos postos de trabalho. Impressionante. Isto é que é fugir a uma recessão. Ou será?

Vamos ser um pouco cínicos e advogados do diabo por uns minutos. Comecemos pelos números do "emprego". 116 mil novos postos de trabalho criados na economia norte-americana, acima das expectativas. Mas vamos colocar os números em contexto: Dos 116 retirem 36 mil postos de trabalho adicionados via Estado Federal norte-americano, ou seja, mais funcionários públicos. Sobram 80 mil, dos quais 50 mil são contabilizados como "Lazer e hotelaria". Para os mais incautos: é aqui que se insere trabalhos como servir às mesas em restaurantes. Dos restantes 30 mil, cerca de dois terços são professores - isto no mês em que as escolas começam as aulas. Curioso. O sector industrial perdeu empregos liquidos. O sector financeiro perdeu empregos liquidos. O sector tecnologico idem idem aspas aspas.
"Pera ai... então as pessoas estão a ser despedidas das grandes industrias e bancos e a arranjar emprego a servir à mesa?" - basicamente, sim! Alias, visivel pela média de remuneração horária recebida, que desceu.

"Mas olha lá: 3,9 por cento de crescimento! não há grande volta aqui a dar" dirão os mais "bulish". Bem, tecnicamente até à grande volta a dar. Mas antes disso, vamos a uma pequena distinção que os economistas fazem e se esquecem de explicar: Nominal vs Real. Eu posso medir o PIB em termos nominais, ou seja, crescimento de um periodo ao outro, simples. O problema é o nivel de preços. Se as coisas crescem e os preços crescem no mesmo valor, eu fiquei na mesma. Pelo que eu, enquanto economista, deflaciono quantidades nominais - usando um indice de preços chamado "deflator do PIB" - para chegar ao crescimento real. Um mera brincadeira matemática: dividindo o crescimento nominal pelo real dá-me o deflator implicito nas contas.

O crescimento nominal dos EUA no 3Q foi de 4,7 por cento, ABAIXO das expectativas - que eram de um crescimento nominal de 5,1 por cento. Ora 1,047/1,039 (os 3,9 por cento foram supostamente crescimento real) = 0.0078. Ou seja, o deflator do PIB implicito, que mede o indice de preços do periodo foi de 0,8 por cento. "Por isso é que a Fed baixou as taxas de juro. Não há pressões inflacionistas na economia e a malta que faz as contas nunca iria usar um deflator baixo de proposito se não fosse a inflação real, certo?". Bem, errado. Os EUA usam a "core inflation", que desconta "food" and "energies", ou sejam, mede tudo o que quizerem menos inflação. E se forem ver a inflação média dos últimos 7 trimestres - e a inflação exibe caracteristicas reversivas à média, tal como a volatilidade - é de 3,1%. Ora vamos la ver o que acontece ao PIB real com uma inflação média de 3,1%. Opps. 1,047/1,031 - ou seja estou a "deflacionar" preços - é igual a 1.55%!

Vamos a um exemplo idiota: 10 "bloggers" compram 1 pacote de açucar cada um. O pacote de açucar, por idiotice, custa 1 euro. Esta "mini-economia" tem a rubrica de consumo privado com 10 euros (10 "bloggers" a comprar 10 pacotes de açucar ao todo, a um preço de 1 euro/pacote). O açucar aumenta 10%, e custa hoje 1,10 euros. Os mesmos 10 "bloggers" gastam agora 11 euros em consumo privado, mas eu enquanto economista não deflaciou-no estes 10% porque a minha medida de inflação não tem o preço do açucar ("core inflation - sem "food" e "energies"), pelo que o PIB aumentou magicamente 10%!! Isto é pura inflação não contabilizada...

Voltando aos USA. O consumo privado aumentou, mas aumentou quando tudo quanto era energia e soft commodities está a ir em direcção à lua. Mas esses não entram na inflação pelo que qualquer estatistica de crescimento vem "enviesada", e os valores reais vêm "sobre-estimados".

"Mas olha lá! Por que raio é que vocês não contam com comida e combustivel na inflação lá nos states?" Bem a desculpa oficial é que os preços são demasiado volateis. O que nós economistas nos esquecemos de dizer é que é de todo o interesse de qualquer Estado que corra um deficit orçamental com divida publica ter inflação alta. Chama-se "senhoriagem" e age como um imposto. De forma simples: eu, Estado, peço emprestado 100 euros e pago 4%/ano e digo-vos "ah e tal, a inflação é 2%/ano" pelo que voçês são compensados. Mas se a inflação for mais alta, digamos 6%, então vocês estão a perder 6% e eu a pagar 4% ao ano. Ao fim de 10 anos (sim os Estados endividam-se a longo prazo) voçês precisam de 179 euros para comprar o que dantes custava 100. Mas eu paguei-vos de volta 148 euros. Vocês foram taxados em 31 euros pelo caminho e não deram por isso. Outra brincadeira fiscal é que activos financeiros, ou casas por exemplo, tendem a valorizar com a inflação. Compram uma casa por 100 mil euros. A inflação é de 6%. Ao fim de 10 anos vendem-na por 179 mil euros. Tecnicamente vocês não fizeram dinheiro, apenas mantiveram poder de compra. No entanto, o Estado vai-vos taxar esses 79 mil euros como "mais valia financeira". Dai a inflação servir de imposto e o Estado ter todo o incentivo de a ter o mais alto possivel sem a malta dar por isso...

Bem e como este post já vai longo - peço desculpa por isso - termino a dizer:
Cuidado com as estatisticas! Não há nada mais facil que manipular PIBs/inflação/emprego, e nem tudo vai tão bem como parece em terras de tio Sam. Mas isso fica para outro post

quinta-feira, outubro 25, 2007

Patinagem pouco artistica

Para hoje, deixo aqui o pensamento sobre a mania dos Bancos Centrais de tentar "martelar" câmbios. Reza a história que o resultado não costuma ser muito bom.

Vejamos um pouco de história. Comecemos por 1929. Na década de 20, para quem não se lembra, a Europa tinha saído da Primeira Guerra Mundial e a potência da altura, o Reino Unido, estava com alguns problemas financeiros. Numa tentativa de restablecer o poder da Libra o Governo britanico regressou ao padrão ouro - com as objecções de um conhecido economista chamado John Keynes. A Fed, criada à muito pouco tempo, e por isso inexperiente, acedeu ao pedido do BoE: suportar a política britânica de uma Libra forte. Problema técnico: na altura o UK corria um enorme deficit comercial perante o maior credor do mundo - com grandes taxas de poupança - os EUA, que tinham um enorme excedente da dita balança comercial. Ditam os canones da política monetária que, perante deficits de balança comercial os câmbios dos devedores devem descer, não ser sustentados como "moedas fortes". Escusado será relembrar como a economia, esse "bicho mau", decidiu tratar do desiquilibrio.

Fast forward - os 80's. Grande década - boa música, algumas boas invenções pelo caminho. Também foi uma década de estagnação. Os EUA estavam com a política do "dólar forte", a correr um enorme deficit comercial e o grande "papão" do momento, e credor do mundo, era o Japão. Tal como os EUA fizeram 50 anos antes, o BoJ apoiou a política do "dólar forte" - ou talvez a politica do "yene fraco" para aumentar aas exportações - contrário ao que devia acontecer pela força do mercado dadas as balanças comerciais dos dois países. Escusado será também lembrar o que aconteceu à bolsa, e à economia americana, com essa brincadeira. A única diferença foi que não foi um "crash global" como 29.

Agora o pensamento para o dia de hoje: Troquem o Japão pela China. Juntem-lhe uma bolha de liquidez criada por poupança excessiva na China, um banco central chinês inexperiente teimoso em não deixar a moeda avaliar - à semelhança do BoJ - e um Tresury americano teimoso no "dólar forte". Juntem um BoJ apoiante dum "dólar forte" de modo a criar um "yene fraco". Quanto mais tempo deixarmos que estes desajustes não sejam corrigidos pela via cambial, e portanto que os respectivos Bancos Centrais deixem de brincar no mercado câmbial, maior o impacto do ajuste. Isto não é "alta teoria monetária". Isto já aconteceu por duas vezes no século passado e as consequências foram sempre as mesmas...

terça-feira, outubro 09, 2007

Um mini-crash... da teoria financeira

É curioso ver que muitos "quant" não viram aquilo que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso via.

O problema muito grave que se passou em Agosto é que do ponto de vista dos modelos usados, fazia sentido! Aquela semana de Agosto foi a simples consequência de todos usarem vários modelos que, embora tecnicamente convenientes são irreais.

Passo a explicar:
Os economistas modelam o mercado como uma curva normal (aka curva de Gauss). Esta curva tem uma particularidade muito muito apelativa: variância finita, ou quantificável por um processo estocástico - função matemática em que tens um termo determinativo e um segundo termo aleatório.
Por exemplo, o S&P500. A média histórica da sua volatilidade, medida aqui pelo desvio padrão, é cerca de 1,4% ao dia. Ora, a curva normal é simétrica em relação à média, logo é 1,4% para cima e para baixo. O Teorema do Limite Central(TLC) diz-me que todo o evento aleatório tende para a normal, logo tende também para a sua média. Ora eu faço um portfólio muito giro de CDO - papel comercial em que a garantia é uma tranche dum empréstimo por sua vez garantido pela casa. Agora vamos à gestão de risco. Ora, eu sei, outra vez pelas aulas de estatística, que com digamos 5 desvios-padrão tenho 99,995% dos casos possíveis cobertos. Ora, 5 desvios-padrão no S&P500, por exemplo, é 7%. A probabilidade da ocorrência dum evento acima de 5 desvios é de um em um milhão, logo o meu risco é pequeno. O meu hedge fund alavancado com dívida de curto prazo baseada nessas mesmas CDOs tem um VaR (Value at Risk - valor máximo que eu perco numa variação extrema do mercado com base num intervalo de confiança estimado duma curva normal) é pequeno. Eu não vou à falência.

O problema claro está é que o mercado não é normal. A distribuição a olho nú é semelhante mas não é igual. Estudos levam-nos a concluir que o mercado tem uma modelação semelhante a uma distribuição de Levy ou de Pareto. Problema tecnico: estas duas distribuições não tem variancia finita. Eu não posso fazer um VaR ou mesmo um Sharpe para vender o meu fundo!! E pior, são mais dificeis de manipular matemáticamente. Logo, enquanto economista, ignora-se este facto com base no TLC: no longo prazo a curva vai ser normal. No entretanto não interessa.
O problema com as duas distribuições acima mencionadas é que a sua kurtosis é maior, ou seja, as abas da curva são mais altas, e portanto a probabilidade de eventos de grande risco é muito superior ao previsto! Mas mesmo admitindo que isso podia acontecer (basta ir andando de 10 em 10 anos para trás até 1987, não é preciso ir mais longe!) argumentou-se que, estatisticamente os maus resultados não se agrupam pois SÂO INDEPENDENTES!
Agora um pouco de bom senso: Se todos usamos os mesmos modelos, todos vamos ter os mesmos problemas, todos vamos ficar agarrados com pedaços de papel que não valem nada, a perder 50% do fundo e com margin calls! Logo temos todos que vender activos, seja acções ou obrigações, liquidos para cobrir as margens e esperar que o mercado volte ao normal. O problema é que estamos todos a "desalavancar" ao mesmo tempo! Os maus resultados agruparam-se em cluster e quanto mais vendes mais o mercado desce e mais toda a gente que não estava envolvida vende! Naquela semana as correlações normais foram ao ar! Tudo descia excepto US T-bills a 1 ano!...

Isto mostrou o efeito "sistemico" que uma "desalavancagem" pode ter no mercado. Este problema já se tinha visto no mundo das opções: O modelo básico para fazer pricing de opções parte desse pressuposto de normalidade e volatilidade constante. O que se verifica é que a volatilidade não é constante para os vários strikes e, se o mercado for modelado por uma variancia não fixa, então não hedging perfeito - não te consegues proteger usando o modelo. É curioso que tudo aquilo aconteceu no mês em que o maior crash de sempre da bolha das dot.com saiu dos modelos estatisticos que vão buscar dados a 5/7 anos.

A moral da história é: A teoria distanciou-se da realidade e envolveu tanto dinheiro e ganancia que se tornou muito perigosa, mas a economia não é uma ciencia é uma religião e o que eu estou aqui a dizer é considerado heresia.

segunda-feira, outubro 08, 2007

teorias financeiras...

A verdade é que a análise fundamental e a análise técnica divergem num factor teórico "fundamental"(passo o pleunasmo): movimento browniano geométrico.

Passo a tentar explicar, para os "não economistas":
Imaginem um bebado a percorrer uma rua. Obviamente que o rapaz não consegue fazer uma linha recta, e vai circulando entre o passeio esquerdo e o passeio direito. E como está bebado, decide escolher o passeio com base no lançar duma moeda (bebedeiras dão nestas coisas): se sair coroa ele vai para o passeio esquerdo, se sair cara ele vai para o passeio direito. Ora a probabilidade de sair cara ou coroa, como se sabe, é 50 por cento para cada lado. Ou seja é igualmente provável que ele oscile para a esquerda ou para a direita.

Ora este exercicio simples, quando posto num grafico e analisado matemáticamente tem caracteristicas interessantes:
1. Os movimentos para a esquerda e para a direita são independentes, ou seja, estamos na presença do que se chama uma cadeia de Markov - o passado não afecta o presente;
2. No limite, a distribuição dos resultados é a curva de Gauss, com média e variancia finitas.

Ora tudo junto isto dá ao que chamamos o movimento browniano geométrico, e é com isto que os economistas modelam o mercado e é a base da hipotese dos mercados eficientes, seja qual a forma que escolham (temos a fraca, a forte e a muito forte - para todos os gostos). Dai a posição da análise fundamental: Market timming é tão útil como lançar uma moeda ao ar e escolher compra/venda consoante se tenha cara/coroa - tal como o bebado escolhe esquerda ou direita. O que interessa são os fundamentais: se o plano é bom, a gestão é boa e a empresa é solida, então irá criar valor e isso ir-se-á reflectir no longo prazo. E, mais importante, dado que o mercado é gaussiano, a probabilidade de perda ao investir em acções é quase nula e a rendibilidade tende para a média - efeitos do famigerado Teorema do Limite Central.

Todavia, a análise técnica viola o principio base do movimento que os economistas usam para modelar o mercado: os vários niveis de preços NÂO são independentes. Dai o analista técnico tentar extrair informação com base no passado por meio de indicadores. A não independencia também causa que eu posso escolher o "momento de entrada" e que não é igual a lançar uma moeda ao ar, ou seja, uma entrada aleatória. De acordo com as premissas base, padrões passados tendem a repetir-se, tendencias tendem a perpetuar-se - ou seja movimento persistente de Hurst, e não, como preveria as bases estatisticas da análise fundamental, reversivo à média.

Bem, e como o post já vai longo (e peço dsk por isso), por aqui me fico, embora se pudesse continuar a "dissertar" sobre a "anormalidade dos mercados" - estilo eventos que a curva diz só ocorrem de 10mil em 10mil anos acontecerem 3 dias seguidos em Agosto.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Sub...quê?

Quanto à questão do "subprime", de per si e visto isoladamente não é catastrofico, nem nunca foi. O mercado subprime só representa menos de 2% do mercado hipotecário norte-americana, e desses 2%, apenas 15% entraram em default. O problema que se viu, e se vai continuar a ver na minha opinião, chama-se liquidez. Ou pelo menos a ilusão da mesma. Empilhou-se divida em cima de divida, investiu-se em activos de longo prazo com recurso a divida de curto prazo, na premissa de, de 3 em 3 meses se fazer o roll-over, ou seja ir buscar mais divida para pagar a divida do periodo anterior. Ora na minha terra isso chama-se um esquema de Ponzi. Mais elaborado é certo, com estruturados, CDOs, ABCPs e outras siglas caras, mas um jogo de Ponzi na sua essencia. E como qualquer jogo de Ponzi, corre muito bem enquanto os activos que deste como colateral valorizam. Ou seja as casas.

Os mercados monetários ainda nao acalmaram. Os spreads aumentaram e vao aumentar. Tendo em conta que a maior parte das empresas tem os balanços alavancados com divida a taxa variavel a 6 meses isso não me parece muito bom. Os bancos estão a vender os 200Bn$ em divida prometida a LBOs/M&As a "discount", para se desfazerem daquilo do seu balanço. E, sinceramente, quando se começa a ler que "este é um novo bull market" [Bespoke Investment Group e McKinsey] ou quando más noticias são motivo para comprar acções[UBS/Citi/etc] eu preocupo-me.

Quanto aos "pelintras dos americanos". Não digo que são pelintras, mas que estão hiper-endividados estão. E enquanto a Asia continuar a reciclar o seu super-avit da balança comercial de novo em dólares, na sua maioria canalizados para o mercado obrigacionista americano, os USA podem dar-se ao luxo de correr defices gemeos com poupança negativa. É o equivalente a um cartao de crédito platina com plafond ilimitado. Pelo menos até ao dia.

Olhem a Asia: Hang Seng subiu 25% num mês. Sustentável? Shangai continua a fazer máximos históricos numa bolha que mais faz lembrar o Japão nos anos 80, e todos sabemos o que aconteceu ao país onde, a certa altura, o m2 ao pé do palacio imperial valia mais que Manhattan inteira.

Acredito que aja mais ganhos este ano, mas também acredito que vamos dar um tombo e apetece "vender" mas ai lembro-me sempre de keynes:
"Os mercados conseguem ficar irracionais mais tempo que os investidores solventes".

quarta-feira, maio 02, 2007

Vou emigrar

Abri a revista Única, e dei por mim a ler o artigo sobre "profissões que ninguém quer ter". Fiz uma descoberta: ao fim de 16 anos de formação, quatro deles numa área especializada, um ano a trabalhar em controlo de gestão e um ano a fazer jornalismo/consultoria financeira numa revista de economia, acabei a receber o mesmo que o homem que recolhe o lixo e tem o nono ano... emigração é a solução?

segunda-feira, abril 16, 2007

O elogio da loucura ... judicial

Sou jornalista e escrevo para uma revista mensal de finanças pessoais, a "Carteira". A minha função, enquanto jornalista, é relatar a verdade dos factos. No caso especifico da minha área, a minha função é trazer ao público leitor toda a informação disponível, correctamente fundamentada por fontes identificadas, de forma a que possam tomar uma decisão informada quando adquirem um serviço financeiro.

Se um produto financeiro, como um fundo de investimento, é caro porque cobra comissões mais altas que os concorrentes, se um depósito a prazo tem por detrás um investimento em fundos em mercados emergentes ou se um banco está a obrigar os clientes a adquirir outros produtos do seu grupo em troca do crédito (prática ilegal) é a minha obrigação divulgar e fundamentar.

A grande protecção de um jornalista, quando divulga uma notícia é saber que, se disser a verdade, então está protegido, por lei. O meu primeiro director ensinou-me uma regra que nunca esquecerei: a regra das "três aspas", ou seja, procurar sempre três fontes diferentes, identificá-las, e nunca basear o artigo na minha opinião. "Não coloques a tua cabeça no cepo" dizia-me. Esta máxima - chamem-lhe "regra das três aspas" ou outra coisa qualquer - é uma das bases de todo o jornalismo.

O diário "O Público" decidiu públicar uma história onde refere que o clube de futebol "Sporting" devia dinheiro ao fisco. O "Sporting" negou a acusação e processou o jornal do "difamação". Depois de duas decisões que davam razão ao jornal, por ter públicada uma notícia verdadeira, vem o Supremo Tribunal de Justiça condenar o jornal "O Público" a pagar 75 mil euros ao clube de Alvalade. A basear a sua decisão não está a falta de veracidade da noticia. Alias, "é irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o seu crédito ou a reputação do visado", lê-se no acórdão.

É curiosa a jurisprudência que está a ser feita: o bom nome de uma instituição está acima da verdade. Não interessa qual a verdade em causa. Segundo a teoria dos juizes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, casos como o famigerado "Watergate" nunca viriam a público: o artigo do Washington Post feria o bom nome de uma das maiores instituições dos EUA, a presidência daquela República. As publicações feitas sobre a falta de verdade dos relatórios da CIA sobre o Iraque nunca seriam públicados, pois ferem o bom nome da instituição.
Tão curioso é o facto de o Supremo Tribunal de Justiça versar sobre a "utilidade pública" da notícia em questão: "não havia em concreto interesse público na divulgação do que foi divulgado", refere o famigerado acordão. É inacreditável ver uma das mais altas instâncias judiciais do país considerar que, noticiar que uma instituição não está a cumprir com as suas obrigações fiscais para com o Estado, ou seja, todos nós, não tem "concreto interesse público".

No momento em que se fala de "independência da imprensa" e das "pressões das instituições públicas" sobre os jornalistas, como é que se pode esperar que um jornalista revela algo verdadeiro, fundamentado e com fontes crediveis, se "é irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico para que se verifique a ilicitude".
Hoje, não só somos nós que temos que pagar as indemnizações do nosso bolso (e não a empresa que está por detrás da públicação) como ficamos sem a última protecção que nos restava para o exercicio das nossas funções?

segunda-feira, março 26, 2007

E o grande vencedor foi... Salazar

É curioso que num país com 868 anos de história (faço as contas desde 1139, ano em que, após a Batalha de Ourique um dos “concorrentes” decide auto-proclamar-se Rei), quatro dos finalistas e os três dos vencedores sejam da primeira metade do século XX.
Foi Salazar importante? Para bem e para mal foi. Foi um ditador, o regime era fascista, a opinião política era perseguida. Também foi ele que sanou as contas públicas, electrificou a maior parte do país, fez várias infra-estruturas necessárias e manteve-nos fora da II Guerra Mundial. Não foi o Diabo na Terra. Dai a ser o maior português de sempre... vai uma grande distância.
Álvaro Cunhal também não merece o lugar que teve. Opositor do regime de Salazar, é verdade, tinha um objectivo em mente: substituir um regime ditatorial de direita por um regime ditatorial de esquerda. A memória é curta, e já todos se esqueceram das inúmeras tentativas de golpes, que culminam no 25 de Novembro. Também é curta, a memória, ao esquecer que o Dr. Cunhal foi o único líder comunista do “ocidente” que aprovou a invasão de Praga pelos tanques soviéticos, para por fim à “revolta democrática”.
Em tão ilustre companhia, é curioso ver a decisão do povo português. O nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, tem o mérito de, contra Castela, os nobres galegos e a própria mãe, concretizar o sonho do seu pai: um reino independente, que ainda hoje subsiste, um dos mais antigos da Europa, é preciso relembrar.
Mas em quase 900 anos de Portugal, por dois períodos fomos um exemplo para toda a Europa. Pela mão de Sebastião José de Carvalho e Mello, vulgo Marquês de Pombal, Portugal investiu em educação e tecnologia, reconstruiu a sua capital depois de um dos piores terramotos da história. Marquês de Pombal volta a colocar Portugal no mapa europeu.
Mas para mim, o maior português de sempre é sem dúvida alguma D. João II. Nenhum rei em Portugal tem um legado tão importante, e ainda lembrado, como este: 150 anos de domínio quase absoluto dos mares. É ele, enquanto ainda príncipe, que convence o pai, Afonso IV, o africano, a ir à conquista de África. É ele quem desenha as linhas mestras da estratégia dos descobrimentos portugueses. O seu irmão, o Infante D. Henrique, tem o mérito de concretizar o sonho do Rei, mas quem toma a decisão e estabelece o objectivo é D. João II. É ele que divide o mundo com os espanhois, que tentaram inclusivé pressionar o jovem rei português por intermédio do Papa, e fica com a melhor parte: África e Brasil. Graças à sua estratégia, brilhantemente concretizada pelo seu irmão, Portugal assume pela primeira vez o estatuto de super-potência. É a nação tecnologicamente mais avançada (a vela latina, as caravelas que podia navegar em alto mar, o nónio, a navegação pelas estrelas eram o equivalente aos computadores, satélites e vaivéns da NASA de hoje), comercialmente mais rica, e com o domínio dos mares. Lembrem-se que na divisão do mundo, os portugueses pagavam para atravessar o mar espanhol e vice-versa. Curiosamente Portugal não tinha disso necessidade (as rotas comerciais passavam pelo Atlântico, nosso), ao contrário de Espanha que pagava o tributo por atravessar as “águas territoriais” portuguesas.
O português é saudosista. Temos saudades do velho império. Somos um dos poucos povos do mundo que tem este estranho conceito de “saudade”. Talvez por isso Salazar tenha ganho: o que D. João II constrói é erguido ao conceito de valor máximo de Portugal por Salazar: Portugal projecta-se no mundo como o primeiro império intercontinental, apoiado na sua história e na unidade, de Trás-os-Montes a Timor. Como dizia Fernando Pessoa, outro dos ilustres finalistas, “Senhor, falta cumprir-se Portugal”.