quinta-feira, maio 29, 2008

Afinal a culpa é dos especuladores? (II)

Normalmente, depois de alguma explicação sobre o preço dos combustiveis, a resposta costuma ficar algures entre "uma bolha é uma bolha" e o "a oferta da OPEC tem respondido à procura" passando pelo "existe hoje tanto petroleo como à 35 anos atrás". Logo, o preço actual deve ser seguramente "especulação" do "grande capital" e das "grandes petroliferas"...

Paremos dois segundos antes de nos atirarmos à goela do "grande capital" para observar a produção mundial de crude. Actualmente esta está nos 85 Milhões de Barris por dia, mas é preciso não esquecer que à medida que este vai sendo extraído, os poços perdem produtividade - por exemplo por menor pressão dentro do mesmo. Esta perda de produtividade é, em média, cerca de 4,5% da produção.

Isto significa que só para manter a produção constante, tem de ser colocados em operação novos poços capazes de compensar esta perda de produtividade. Colocando a coisa de outra forma: para manter a produção constante é preciso todos os anos, novos poços que debitem um total de 3.8 milhões de barris por dia.

Isto leva-nos a uma "pescadinha de rabo na boca": à medida que aumenta o consumo mundial a oferta mundial de crude tenta acompanhar aumentando a produção, mas isso implica que o valor de novas reservas necessárias para compensar a perda anual de produtivade aumenta também. Num recurso finito - nem precisa de ser escasso - este processo tem invariavelmente um fim: um "planalto" de produção, ou seja, um ponto a partir do qual a produção mundial deixa de subir.

Um segundo problema com a produção actual de crude é uma sigla chata: ERoEI - Energy Return on Energy Invested. Ou seja, qual é o ratio de energia que eu extraí face à energia que eu usei para a extração. Quanto maior o ratio melhor: o objectivo é eu ter o maior valor possivel de "energia liquida", em especial tendo em conta que estou a remar contra uma maré de "4,5% nova produção necessária só para manter as coisas constantes"...

O problema é que nós já usámos a grande maioria dos "bons poços" - do "light sweet crude oil", o facil de refinar - onde o ERoEI era igual ou superior a 100. Por comparação, extração das "areias de alcatrão" do Canadá tem um ERoEI de 5, o que quer dizer que consume-se 20 vezes mais energia a extrair este crude. O ERoEI do ethanol, por exemplo é 1.2. O mesmo se aplica ao crude mais pesado (Sour crude iraniano, Venezuelano, Brasileiro, Saudita, etc) que exige mais energia na extração e refinação. (Daqui virá o argumento para o post seguinte: o facto de também não ser bom para a indústria - Galp, BP e afins - que a energia dispare sem controlo)

Outra questão curiosa é que os países produtores e exportadores estão hoje mais ricos. Por cada 10 USD de súbida do preço do barril, os paises do Golfo ganham mais 57 mil milhões de USD. A Rússia mais 25 mil milhões de USD, 10 mil milhões para o Irão e 8 a 9 mil milhões USD para a Noruega e a Venezuela. Estes países - com a excepção da Noruega - hoje estão mais ricos e têm mais dinheiro para consumir. Regra geral, maior consumo implica maior gasto energético, e isso ocorreu: hoje estes produtores consomem mais energia que à 30 anos atrás, pelo que exportam menos para o resto do mundo.

Isto quer dizer que além do aumento do consumo da OCDE e dos países emergentes como a China, India, Brasil e outros, os países exportadores exportam hoje menos, porque parte da produção "fica em casa". Além do mais, para produzir crude eu consumo hoje mais crude do que consumia à 35 anos atrás. Em cima de isso tudo, tenho que também compensar a perda de produtivade dos poços com 3,8 milhões de novos barris por dia, usando para isso poços novos mais caros de explorar e menos eficientes do ponto de vista energético.

A isto chama-se "Peak Oil", e é a justificação para um facto que (finalmente) se tornou por demais evidente e inegável: a produção mundial não só está num pico como tem estado constante face a uma procura crescente e prevê-se - estimativas optimistas - que a partir de 2012/2015 a produção mundial comece a decrescer...

continuam admirados com crude a mais de 100 USD?

5 comentários:

Anónimo disse...

Gosto muito do que escreves,tenho alguns amigos que gostavam muito de perceber é que sabes eles têm 3 anos ;-))

alfabeta disse...

Falta de petróleo?
Ainda recentemente descobriram mais no mar do Brasil, também no Alasca que entretanto os Estados Unidos dizem que é deles, a Rússia já enterrou uma bandeira no fundo do mar a dizer que também é dela,entretanto o Canadá também acha que o Alasca lhe pertence, isto é mas é tudo louco, energias alternativas,não há?

Claro que há, mas essas não dão tento lucro.
Deves saber de certeza que os estados Unidos e outros, sabem perfeitamente como fabricar energia alternativa, por isso até era muito bom, para bem do planeta que o crude acabasse de uma vez por todas.

Ácido Cloridrix HCL disse...

E se parassemos todos os nossos "pópózinhos" de alta cilindrada e passassemos a andar a pé ou de "bica",,, q seria deles??? Pena n nos conseguirmos organizar nesse sentido, pois melhor energia q a muscular e cerebral não há!!!
lamentável o estado das coisas, sem duvida,,, mas teremos q ser mais energeticos p acabar com a crise energetica,,, não achas????
Abraço, e parabens pela brilhante analise,,, HCL

Guilherme Diaz-Bérrio disse...

Cara Alfabeta,
No que diz respeito às novas descobertas de petroleo, temos:
Brasil, em off-shore, mas é preciso notar que estamos a falar de deep sea drilling. O custo acrescido de perfurar a 500 metros não é 5 vezes ao custo de perfurar a 100 metros. É 20 vezes, porque à medida que aumenta a profundidade a quantidade de aço usada, por exemplo, aumenta devido à pressão.
Temos também as reservas do

Alaska e do Artico - este ultimo onde todos tentam retalhar. No total poderemos estar a falar no máximo de 100 mil milhões de barris de produção total destas regiões. Não é muito se pensar que o mundo consome por ano quase 40 mil milhões de barris.

Por exemplo, na planicie do Orinoco, na Venezuela, estima-se que poderão estar cerca de 250 mil milhões de barris para explorar - o que a confirmar colocaria a região como a maior produtora do mundo - mas mesmo isso ao ritmo de consumo actual não dá para mais de 4 anos de consumo mundial.

No total, estas novas reservas não só são 10 a 20 vezes mais caras de explorar como não garantem no total mais de 6 a 7 anos de consumo mundial...

Quanto às energias alternativas, há. E com o petroleo e derivados a estes preços começam a ser uma opção em termos de custo.

É por isso que embora argumente que a produção de petroleo está num pico, o mundo não vai acabar: novas tecnologias e energias alternativas, que dantes apenas sobreviviam com subsidios hoje tornam-se competitivas... o mercado não é assim tão mau ;)

Guilherme Diaz-Bérrio disse...

Caro HCL,
Sem dúvida temos que repensar os nossos hábitos. E a melhor forma de o fazer é sem dúvida quando nos vão "à carteira".

Veja-se que o fluxo de carros em lisboa, por exemplo, está a diminuir. Não foi preciso campanhas ou portagens ou politicas de sensibilização.

O consumo de gasolina caiu 7 por cento no último ano. É por isso que em Economia costumamos dizer que "a cura para preços altos são preços altos": as pessoas repensam os seus habitos e reduzem os consumos.