quarta-feira, setembro 24, 2008
Mudança de casa
Realidades de papel
terça-feira, setembro 23, 2008
Favor aprender a fazer contas!
Presidente da Autoridade da Concorrência vai ser ouvido no Parlamento
23.09.2008 - 17h10 Lusa
A Comissão de Assuntos Económicos da Assembleia da República aprovou hoje por unanimidade a audição urgente do presidente da Autoridade da Concorrência, Manuel Sebastião, pedida pelo PSD, sobre os preços de venda dos combustíveis ao público.
O PSD anunciou na quarta-feira da semana passada o pedido de audição urgente do presidente da Autoridade da Concorrência e o requerimento foi hoje aprovado por todos os partidos na Comissão de Assuntos Económicos, faltando marcar a data da audição.
No requerimento, o PSD referia não se verificar "por parte das gasolineiras um acompanhamento da tendência mundial da descida do preço do petróleo, cujo valor actual é cerca de 50 por cento inferior ao registado há cinco meses".
Os sociais-democratas pediram por isso "uma nova reunião com o regulador de forma a compreender as razões que explicam tanta demora da reflexão no mercado nacional da actual tendência internacional".
Adorava que alguém me esclarecesse com que calculadora anda a bancada parlamentar do PSD a fazer contas (!!).
Máximo do crude: 147 USD
Mínimo do crude: 91 USD
Variação: -38.1 por cento
Máximo do euro na mesma altura: 1.60
Valor actual do euro no mínimo: 1.40
Variação: -12.5 por cento
Máximo do crude em euros: 91 Euros
Mínimo do crude em euros: 65 Euros
Variação para Portugal tendo em conta variação cambial: -28.5 por cento.
Se alguém me conseguir explicar de onde vieram aqueles 50 por cento, pago-lhe um almoço!
Regular o que não se deve...
Começando pelo Glass-Steagall Act, parcialmente repudiado em 1999 pelo Gramm-Leach-Bliley Act, no que diz respeito à exigência da divisão de facto entre banca comercial e banca de investimento. Eu não diria que esta - o fim do Glass-Steagall Act - é a causa do actual descalabro. Muito pelo contrário. Passo a explicar:
A divisão clara que era obrigatória pelo Glass-Steagall Act cria, na minha opinião, uma acrescida pró-ciclicidade no balanço dum banco. E aqui discordo profundamente do que dizem: o modelo que ruiu não foi aquele previsto num mundo sem "Glass-Steagall" (um mundo de "Broad Banking") mas sim um mundo em que este estaria ainda em vigor: o mundo do Banco de Investimento independente. Foram exactamente esses que falharam, e os dois que sobraram foram no fim de semana, rapidamente passados a "banking holding".
Reparem bem nas diferenças entre a UE e os EUA: o modelo de Wall Street era exactamente único a Wall Street. Não existem na Europa Bancos de Investimento "independentes", mas sim, divisões de Banca de Investimento integradas numa holding bancária "tradicional". Os problemas do Barclays, RBS, Deutsche Bank, UBS e HSBC, foram as suas divisões de investimento. A Europa é um mundo bancário sem "Glass-Steagall".
E se pararmos 2 segundos - e nos afastarmos desta guerra preto-branco, socialistas-libertários - vemos que a separação entre um e outro - o modelo que morreu no fim de semana em Wall Street - é mau para o sistema. Uma divisão de investimento tem um aumento de fluxo de caixa - estou a simplificar - em épocas de crescimento. Mas em épocas de abrandamento, as pessoas tendem a tirar o dinheiro de investimentos e colocar nas suas contas à ordem e a prazo. Logo isoladamente os balanços são prociclicos, mas são-no em épocas diferentes: em Bull ganha o banco de investimento, em Bear ganha o banco a retalho, para simplificar. Torna-se então obvio: a separação dos dois aumenta o risco. O Broad Banking reduz o risco no balanço agregado. E veja-se a europa: a UBS safou-se, enquanto banco, porque a sua divisão de investimento teve "onde cair" - são os maiores wealth managers do mundo. O Deutsche Bank idem idem aspas aspas. Por contraponto, a Bear Stearns e a Lehman Brothers não tinham onde cair. Globalmente, eram pró-ciclicos, mas separados de uma unidade comercial: tal como estipulado pelo Glass-Steagall, embora já não em vigor.
Mas note-se também que a culpa do subprime não morre solteira em Wall Street, no que diz respeito ao Subprime. E se ninguém contesta o efeito (nocivo) da politica do Sr. Allan Greenspan (um dos pais desta alhada), frequentemente esquecemo-nos que Wall Street não criou o motor do subprime unica e exclusivamente por ganancia:
O Carter assinou o Community Reinvestment Act que proibia os bancos de restringirem as suas ofertas de crédito a segmentos seguros e obrigando-os a alargarem-no ás chamadas «minorias», de mais elevado risco;
Clinton segue e alargou significativamente a base do CRA, baixando significativamente os requisitos para se obter empréstimos, possiblitando e incentivando a concessão de emprestimos imobliários;
O Bush "filho" aprovou o The American Dream Downpayment Initiative que visava apoiar financeiramente a compra de casa por quem não reunia as condições para a obtenção de um empréstimo imobiliário, pretendendo, em cinco anos «criar 5 novos milhões de proprietários».
Por muito nobres e bem intencionados que foram (ou talvez, simplesmente eleitoralistas e populistas), esqueceram-se duma regra básica: risco pagasse! Mas na impossibilidade de "cobrar" esse prémio de risco, surgiu uma invenção: o modelo originação e distribuição. A culpa não morre mesmo solteira aqui.
No entanto concedo que falhou uma regulação: ainda estou para perceber por que raio as Credit Default Swaps ainda são OTC. Não me confundam, acho que um mercado OTC (desregulado, como OPEX, em Portugal) é extremamente útil. Permite a empresas pequenas financiarem-se e terem acesso a capital que de outra forma não teriam. O problema é tamanho. E isso vesse: quando uma empresa adquire tamanho > n, passa para mercado "normal", passo a expressão, saindo de OTC. Isto faz sentido: size matters, os mercados são sistemas complexos, e como tal adquirem assimetrias de informação. Essas assimetrias devem ser combatidas, sob pena de "destruirem" o mercado (selecção adversa, problema principal-agente). O que eu não entendo é como é que se deixou que as Credit Default Swaps - um instrumento válido e com sentido - ganhassem o tamanho que ganharam permanecendo em OTC. Não há informação, logo o mercado "treme" sempre com a possibilidade de um unwind de CDS com uma grande falencia. Ninguém sabe quem deverá o que a quem... e aqui, os reguladores falharam de uma forma muito grave!
sábado, setembro 20, 2008
Como retirar uma porca da engrenagem...
Nada é mais destrutivo que um político em pânico. Isto é especialmente verdade em ano de eleições!
Embora concorde que, por vezes, a psique humana se sobrepõe – parcial ou totalmente – aos fundamentais, o que se passou ontem é grave e altera fundamentalmente essa premissa de análise.
Vamos lá ver as reais implicações da já famosa “proibição ao short selling”, anunciada pela Securities and Exchange Commission (SEC), o regulador do mercado bolsista norte-americano.
Ao contrário do que circula por aí, o short selling não só não é mau, como é uma peça essencial neste processo que é o mercado. Da mesma forma que quem considera uma acção subavaliada pode “comprar” essa acção, exercendo pressão conjunta para “alinhar” o preço actual com um “justo” (por justo, entenda-se, ditado pela força do mercado), o mesmo raciocínio aplica-se ao short selling. Mais grave ainda, o short selling é a principal ferramenta para redução da “assimetria” num mercado. Se toda a gente apenas executar compras, os preços tornam-se bolhas. Também é uma parte essencial no processo de arbitragem entre acções de vários mercados: por exemplo, empresas cotadas ao mesmo tempo na Europa e nos EUA. “Shorta-se uma, compra-se a outra” é o mecanismo que mantém as acções com o mesmo “valor”, e é isto que se chama arbitragem.
Short selling é também um dos principais mecanismos de redução de risco num portfólio. Se a alguns isto não parecer fazer sentido, pensem no seguinte: imaginem que vocês consideram que as empresas do S&P500 estão saudáveis (não estou a fazer considerações sobre se estão ou não... o ponto é o processo), mas não têm confiança nenhuma nos bancos. Imaginem que vocês querem ter exposição ao índice – não tendo carteira para comprar as 500 acções. Compram o CFD ou o ETF. Mas não vos faz sentir muito bem saber que 30% – proporção das financeiras nos resultados totais do S&P500 – daquilo é potencial downside de bancos (outra vez, não estou a fazer considerações que sim ou que não). Então “shortam” bancos, ou melhor ainda, “shortam” o índice/ETF dos bancos, na proporção de 1/3 da vossa posição.
Assim, vocês têm um portfólio imunizado ao sector bancário, mas sujeito aos movimentos das restantes empresas. Note-se que, muito poucos investidores são “short sellers” puros, mesmo os hedge funds. Isto porque, enquanto que em long o limite é +infinito, em short o limite é +100% (abaixo de zero não vão, como é óbvio). O short selling é usado como imunização e cobertura de risco por 90% do mercado com volume. É, alias, uma actividade mais perigosa devido a squeezes. Bem, esta ferramenta acabou de desaparecer...
Mas mais grave ainda são as consequências para o mercado de opções.
Opções são um dos derivados mais importantes, a par dos futuros. Dão-vos o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um activo a preço x, em época y. Dão-vos certeza num ambiente de incerteza. A liquidez primária é market makers e especuladores que tomam a posição contrária. Mas mesmo a “especulação” é bastante mortal (mais mortal que forex). Quem negoceia warrants (ou como eu, já negociou) sabe: 99% morre sem valor, ou apanham com grandes perdas.
O mercado de opções também é uma enorme fonte de informação. O famoso VIX é calculado a partir da volatilidade implícita das options sobre o S&P500. Mede o prémio pago nas puts (opções de venda, onde quanto maior a volatilidade, maior o preço a pagar pela protecção), pelo que é a medida por excelência de risco. Muitas probabilidades, preços e medidas de risco são extraídas dos preços e volatilidades implícitas das opções. O problema aqui é que, de modo ao mercado de opções operar correctamente é condição necessária haver short selling! Passo a explicar: quando vocês querem protecção, o market maker tem que fazer um hedge ao seu “livro de ordens”. Se não o fizer, ele tem de vos cobrar um prémio mais elevado, tornando a protecção mais cara e, por consequência, tornando o mercado mais arriscado. A forma pela qual ele, market maker, faz isto é via short selling da acção subjacente.
É por isso que as “protecções” têm preços razoáveis.Se não existir short selling, além de secar a liquidez no mercado (pensem no mercado de warrants em Portugal, para terem uma ideia de um mercado de options não líquido e manipulável), introduz prémios mais elevados nas puts. Pela put-call parity (uma put pode ser convertida numa call, uma opção de compra, e vice versa), torna as calls mais caras. No limite, isto pode levar a uma disrupção parcial ou total do mercado de opções, uma peça fundamental na gestão de risco.
E se as pessoas não podem, ou não têm dinheiro para cobrir os seus riscos – seja por não poderem shortar ou pelas puts estarem caras demais –, isso significa que preferem não comprar, dado que o investidor médio é avesso ao risco. E a ausência de compradores também provoca quedas, dado que quem que “oferecer”/vender, tem de ir baixando o preço à procura de alguém!
Uma outra nota importante da ausência de short sellers é que, em quedas, estes são os únicos que estão a comprar. À medida que o preço vai descendo, eles vão profit taking – comprando –, amparando a descida. À medida que esta abranda outros short sellers seguem na cobertura. O short selling tem uma função de “almofada”, almofada essa que não existe neste momento... Esta disrupção poderá significar o fim de muitos fundos, não só long-short hedge funds, mas fundos 130-30 e fundos de arbitragem, cujas contas estão precisamente em bancos importantes como a Goldman Sachs ou a Morgan Stanley (e a última coisa que estas firmas precisam é que fundos de investimento as forcem a encerrá-las).
Uma má ideia nunca vem só
Sobra uma questão, que muitos poderão fazer: os bancos, com isto, não vão descer mais?! Bem, isso não é necessariamente verdade. O problema reside no RTC-II. Para quem não sabe, o RTC-II é o Resolution Trust Corp, versão 2. Versão 2, porque a primeira versão surgiu no final dos anos 80, início dos 90. Quando as Savings & Loans faliram, a FDIC – a “seguradora” dos depósitos – ficou com imensos activos nas mãos. O RTC “original” serviu para vender esses activos no mercado aberto, e recuperar algum dinheiro perdido pelos contribuintes.
O problema aqui é que, embora tenha o mesmo nome – ao que parece vai ter, ainda não está confirmado –, é fundamentalmente diferente.
No último trimestre de 2007 surgiu a ideia do MLEC, também conhecido como “Super SIV”. Na altura em que o mercado de papel comercial falhou, pensou-se em criar um super fundo para armazenar o papel que o mercado não queria – ou pelo qual não estava disposto a pagar um preço alto. Note-se que este papel caiu, não por influência de “short sellers”, mas sim pela ausência total de compradores, forçando os “market makers” a anunciar bids sucessivamente mais baixos, de modo a descobrir alguém disposto a comprar.
A ideia falhou por duas razões fundamentais.
1• Os potenciais vendedores queriam “preços justos” – justos para os seus balanços, entenda-se;
2• Os potenciais compradores não estavam dispostos a oferecer “preços justos”, pois consideravam que estavam a pagar demais por “lixo”.
Ora, o RTC-II é a mesma ideia, mas agora em grande – a proposta de lei prevê um valor total de 700 mil milhões de dólares. E com uma diferença fundamental: desta vez é o contribuinte americano que vai para o “lugar do morto”.
Mas a grande questão nem reside aqui, mas sim no preço dado. Muitos bancos moveram muito deste papel – que já não transacciona – para Level 3 assets, ou seja, mark to model. Isto é uma grande palavra para “cria-se um modelo que dê o preço que nós queremos que isto valha”. Muitos bancos têm mais “dinheiro” aqui do que na conta de capital próprio dos seus balanços (a Goldman Sachs e a Morgan Stanley, por exemplo, estão nesta situação, entre outros). A desculpa, autorizada pelos reguladores, é “não existirem preços públicos”. Ora, o RTC-II divulgaria um preço “público”, e forçaria perdas nesta parte do balanço. A única maneira de evitar este cenário era não divulgar o preço das “compras” do RTC-II. Mas isto constitui dois problemas adicionais.
Em primeiro lugar, a confiança no sistema. Isto é, o “livro de regras do Japão”; e todos sabemos como essa feliz história acabou, com uma pequena diferença: o Japão tinha 30% de taxa de poupança. Os EUA são dependentes de “financiamento externo” e, em última análise, do seu Rating AAA.
Ou melhor, da percepção do seu rating, porque mesmo que não o alterem, alguém julga que os investidores não vão exigir maiores prémios de risco, depois de medidas dignas de países como a Rússia, o Paquistão ou a Venezuela?
Em segundo lugar, não divulgando os preços, o RTC-II terá obrigatoriamente de exigir posições accionistas em troca (há mesmo quem argumente que isto acontecerá de qualquer maneira, porque os bancos serão descapitalizados pelas recentes medidas tomadas). Ora, isto significa uma coisa: diluição dos actuais accionistas. E para os que estão a pensar “diluição” pensem “preço desce”. Lembrem-se dos aumentos de capital dos bancos britânicos e o efeito no preço das acções dos mesmos, que desceram porque foram diluídas. A única diferença aqui é que o “subscritor” é o Estado.
E não se esqueçam que não há ninguém para amparar a queda, fazendo profit taking durante essa diluição, e as puts estão mais caras, pelo que a percepção de risco aqui irá ser maior, criando um efeito bola de neve no aumento do prémio de risco norte-americano.
É por tudo isto que, fazer contas ao fim da crise ou ao fim das descidas na bolsa, neste momento, é um exercício de “leitura de folhas de chá”, ou futurologia educada. O dólar estará sobre pressão, apenas com os bancos centrais do mundo como suporte, o mercado de opções pode ter disrupções, os hedge funds podem liquidar, preços podem ser descobertos...
O que se fez e anunciou sexta-feira, atrevo-me a dizer que ficará para a história como um dos maiores erros de intervenção, a par da descida até 1% por parte de Greenspan, ou a política japonesa durante a crise deles.
No entanto, espero, honestamente, estar profundamente errado!
Vamos lá ver as reais implicações da já famosa “proibição ao short selling”, anunciada pela Securities and Exchange Commission (SEC), o regulador do mercado bolsista norte-americano.
Ao contrário do que circula por aí, o short selling não só não é mau, como é uma peça essencial neste processo que é o mercado. Da mesma forma que quem considera uma acção subavaliada pode “comprar” essa acção, exercendo pressão conjunta para “alinhar” o preço actual com um “justo” (por justo, entenda-se, ditado pela força do mercado), o mesmo raciocínio aplica-se ao short selling. Mais grave ainda, o short selling é a principal ferramenta para redução da “assimetria” num mercado. Se toda a gente apenas executar compras, os preços tornam-se bolhas. Também é uma parte essencial no processo de arbitragem entre acções de vários mercados: por exemplo, empresas cotadas ao mesmo tempo na Europa e nos EUA. “Shorta-se uma, compra-se a outra” é o mecanismo que mantém as acções com o mesmo “valor”, e é isto que se chama arbitragem.
Short selling é também um dos principais mecanismos de redução de risco num portfólio. Se a alguns isto não parecer fazer sentido, pensem no seguinte: imaginem que vocês consideram que as empresas do S&P500 estão saudáveis (não estou a fazer considerações sobre se estão ou não... o ponto é o processo), mas não têm confiança nenhuma nos bancos. Imaginem que vocês querem ter exposição ao índice – não tendo carteira para comprar as 500 acções. Compram o CFD ou o ETF. Mas não vos faz sentir muito bem saber que 30% – proporção das financeiras nos resultados totais do S&P500 – daquilo é potencial downside de bancos (outra vez, não estou a fazer considerações que sim ou que não). Então “shortam” bancos, ou melhor ainda, “shortam” o índice/ETF dos bancos, na proporção de 1/3 da vossa posição.
Assim, vocês têm um portfólio imunizado ao sector bancário, mas sujeito aos movimentos das restantes empresas. Note-se que, muito poucos investidores são “short sellers” puros, mesmo os hedge funds. Isto porque, enquanto que em long o limite é +infinito, em short o limite é +100% (abaixo de zero não vão, como é óbvio). O short selling é usado como imunização e cobertura de risco por 90% do mercado com volume. É, alias, uma actividade mais perigosa devido a squeezes. Bem, esta ferramenta acabou de desaparecer...
Mas mais grave ainda são as consequências para o mercado de opções.
Opções são um dos derivados mais importantes, a par dos futuros. Dão-vos o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um activo a preço x, em época y. Dão-vos certeza num ambiente de incerteza. A liquidez primária é market makers e especuladores que tomam a posição contrária. Mas mesmo a “especulação” é bastante mortal (mais mortal que forex). Quem negoceia warrants (ou como eu, já negociou) sabe: 99% morre sem valor, ou apanham com grandes perdas.
O mercado de opções também é uma enorme fonte de informação. O famoso VIX é calculado a partir da volatilidade implícita das options sobre o S&P500. Mede o prémio pago nas puts (opções de venda, onde quanto maior a volatilidade, maior o preço a pagar pela protecção), pelo que é a medida por excelência de risco. Muitas probabilidades, preços e medidas de risco são extraídas dos preços e volatilidades implícitas das opções. O problema aqui é que, de modo ao mercado de opções operar correctamente é condição necessária haver short selling! Passo a explicar: quando vocês querem protecção, o market maker tem que fazer um hedge ao seu “livro de ordens”. Se não o fizer, ele tem de vos cobrar um prémio mais elevado, tornando a protecção mais cara e, por consequência, tornando o mercado mais arriscado. A forma pela qual ele, market maker, faz isto é via short selling da acção subjacente.
E se as pessoas não podem, ou não têm dinheiro para cobrir os seus riscos – seja por não poderem shortar ou pelas puts estarem caras demais –, isso significa que preferem não comprar, dado que o investidor médio é avesso ao risco. E a ausência de compradores também provoca quedas, dado que quem que “oferecer”/vender, tem de ir baixando o preço à procura de alguém!
Uma outra nota importante da ausência de short sellers é que, em quedas, estes são os únicos que estão a comprar. À medida que o preço vai descendo, eles vão profit taking – comprando –, amparando a descida. À medida que esta abranda outros short sellers seguem na cobertura. O short selling tem uma função de “almofada”, almofada essa que não existe neste momento... Esta disrupção poderá significar o fim de muitos fundos, não só long-short hedge funds, mas fundos 130-30 e fundos de arbitragem, cujas contas estão precisamente em bancos importantes como a Goldman Sachs ou a Morgan Stanley (e a última coisa que estas firmas precisam é que fundos de investimento as forcem a encerrá-las).
Uma má ideia nunca vem só
O problema aqui é que, embora tenha o mesmo nome – ao que parece vai ter, ainda não está confirmado –, é fundamentalmente diferente.
No último trimestre de 2007 surgiu a ideia do MLEC, também conhecido como “Super SIV”. Na altura em que o mercado de papel comercial falhou, pensou-se em criar um super fundo para armazenar o papel que o mercado não queria – ou pelo qual não estava disposto a pagar um preço alto. Note-se que este papel caiu, não por influência de “short sellers”, mas sim pela ausência total de compradores, forçando os “market makers” a anunciar bids sucessivamente mais baixos, de modo a descobrir alguém disposto a comprar.
1• Os potenciais vendedores queriam “preços justos” – justos para os seus balanços, entenda-se;
2• Os potenciais compradores não estavam dispostos a oferecer “preços justos”, pois consideravam que estavam a pagar demais por “lixo”.
Ora, o RTC-II é a mesma ideia, mas agora em grande – a proposta de lei prevê um valor total de 700 mil milhões de dólares. E com uma diferença fundamental: desta vez é o contribuinte americano que vai para o “lugar do morto”.
Mas a grande questão nem reside aqui, mas sim no preço dado. Muitos bancos moveram muito deste papel – que já não transacciona – para Level 3 assets, ou seja, mark to model. Isto é uma grande palavra para “cria-se um modelo que dê o preço que nós queremos que isto valha”. Muitos bancos têm mais “dinheiro” aqui do que na conta de capital próprio dos seus balanços (a Goldman Sachs e a Morgan Stanley, por exemplo, estão nesta situação, entre outros). A desculpa, autorizada pelos reguladores, é “não existirem preços públicos”. Ora, o RTC-II divulgaria um preço “público”, e forçaria perdas nesta parte do balanço. A única maneira de evitar este cenário era não divulgar o preço das “compras” do RTC-II. Mas isto constitui dois problemas adicionais.
Em primeiro lugar, a confiança no sistema. Isto é, o “livro de regras do Japão”; e todos sabemos como essa feliz história acabou, com uma pequena diferença: o Japão tinha 30% de taxa de poupança. Os EUA são dependentes de “financiamento externo” e, em última análise, do seu Rating AAA.
Em segundo lugar, não divulgando os preços, o RTC-II terá obrigatoriamente de exigir posições accionistas em troca (há mesmo quem argumente que isto acontecerá de qualquer maneira, porque os bancos serão descapitalizados pelas recentes medidas tomadas). Ora, isto significa uma coisa: diluição dos actuais accionistas. E para os que estão a pensar “diluição” pensem “preço desce”. Lembrem-se dos aumentos de capital dos bancos britânicos e o efeito no preço das acções dos mesmos, que desceram porque foram diluídas. A única diferença aqui é que o “subscritor” é o Estado.
E não se esqueçam que não há ninguém para amparar a queda, fazendo profit taking durante essa diluição, e as puts estão mais caras, pelo que a percepção de risco aqui irá ser maior, criando um efeito bola de neve no aumento do prémio de risco norte-americano.
É por tudo isto que, fazer contas ao fim da crise ou ao fim das descidas na bolsa, neste momento, é um exercício de “leitura de folhas de chá”, ou futurologia educada. O dólar estará sobre pressão, apenas com os bancos centrais do mundo como suporte, o mercado de opções pode ter disrupções, os hedge funds podem liquidar, preços podem ser descobertos...
O que se fez e anunciou sexta-feira, atrevo-me a dizer que ficará para a história como um dos maiores erros de intervenção, a par da descida até 1% por parte de Greenspan, ou a política japonesa durante a crise deles.
No entanto, espero, honestamente, estar profundamente errado!
quarta-feira, setembro 17, 2008
Comentário a Miguel Frasquilho
Tenho o maior respeito intelectual por si, mas não posso concordar com as suas afirmações neste post, onde argumenta que a politica monetária actual do BCE é incorrecta, em oposição à política correcta da Reserva Federal (Fed).
Antes demais, se é verdade que os preços do crude WTI e Brent desceram bastantes desde os máximos, estando hoje abaixo dos 100 USD/barril – fruto da redução de quase 3 milhºões de barris/dia no consumo mundial no 1º Semestre de 2008 – e que Trichet sempre frisou a sua preocupação pelo efeito que o aumento de 2007 teria sobre a inflação da UE, a tónica do BCE, em todas as conferencias de imprensa recentes, foi sempre nas “expectativas de inflação” e nos “efeitos de segunda ordem”.
Trichet tem dito, quase até à exaustão, que o que o preocupa – correctamente na minha humilde opinião – é as “expectativas de inflação” que se entrenham no sistema via mercado obrigacionista – premios das obrigações de longo prazo. Alias, é conhecida a história dos anos 70 nos EUA: o problema eram as expectativas de inflação futura, que estavam de tal forma entranhadas na mente das pessoas, que a única forma de sair do problema foi aumentar a taxa Fed Funds para níveis a dois digitos e induzir uma recessão.
Não nos esqueçamos, em perfeita honestidade, um facto por demais referido pelo Sr. Trichet e que poucos poderão contestar: O mercado laboral europeu é muito mais rigido que o americano. A força dos sindicatos e da contratação colectiva faz-se sentir de forma mais alargada, e as renegociações salariais “indexadas” à inflação, embora que não de forma explicita, introduzem um mecanismo de espiral inflacionária que qualquer economista sabe e reconhece: os conhecidos “efeitos de segunda ordem”, que o BCE tem vindo a alertar, desde às uns largos meses a esta data.
É preciso também dar a cada um o seu: o primeiro banco a intervir em Agosto de 2007 – quando dois fundos da extinta Bear Stearns “implodiram”, dando começo à “crise do subprime” – foi o BCE, não a Fed. Alias, o BCE um ano antes tinha conduzido uma “simulação de preparação” – os mais militaristas podem chamar-lhe de “jogos de guerra” – vendo as possiveis reacções a uma crise “imaginária”, curiosamente (coincidencia) com os mesmo contornos da que se viria a desenrolar em Agosto do último ano.
Também é preciso referir que, até à data, todas as acções de politica monetária da Fed, além de altamente criticadas por alguns sectores do lado de lá do Atlântico – e não me refiro apenas ao libertário congressista Ron Paul – poucos efeitos produziram.
Por exemplo, e de forma algo privisivel e prevista por alguns analistas/ comentadores/ intervenientes no mercado, as taxas de juro das hipotecas pouco ou nada se alteraram. Uma hipoteca a 30 anos continua com taxas de juro de 5.81 por cento – valor actualizado à hora a que escrevo – perto do máximo de 1 ano. E não nos esqueçamos dum facto: a larga maioria das hipotecas nos EUA estão indexadas a maturidades acima dos 15 anos, não estão nas maturidades curtas, como por exemplo, em Portugal.
As taxas do mercado monetário também estão bem acima da taxa de referencia, um claro indicio de que a politica monetária seguida, em pouco ou nada ajudou. E mais importante, à altura desta escrita, a obrigação a 1 mês – que por norma se encontra próxima da taxa central – está neste momento com uma taxa de juro 0.30%, depois de ter estado durante o inicio da tarde “alegremente” nos 0.03%. Relembre-se a quem não é de Economia que a Fed baixa as taxas de juro “comprando” T-Bills no mercado (via a Fed de Nova Iorque), mas que se essa taxa estiver abaixo da sua, então não tem espaço para baixar as taxas. A estes niveis a condução de politica monetária torna-se ineficaz.
Também note-se que hoje a Fed foi autorizada a expandir o seu balanço em 40 mil milhões de dólares, no que se traduz na “impressão de notas”, factor inflaccionário, como sabe tão bem como eu.
E se, pelo lado do ajudar o consumidor endividado norte-americano o efeito foi próximo do zero, o mesmo não se pode dizer sobre o Dolar. E dado estatuto de reserva dessa moeda, a consequência prática foi um (dizem alguns, expectável dada a politica seguida pela Fed) aumento da inflação. A não ser que se acredite nos dados dos últimos três trimestres de PIB americano, com um deflator de preços a rondar os 1%, uma brincadeira matemática engraçada para esconder o que todo o americano já sente: uma recessão.
A Poltica da Fed tem sido tão boa, ou tão má, que as Credit Default Swaps (para quem não é economista – seguros sobre obrigações, o preço mede o risco percepcionado pelo mercado) sobre os EUA está a 0,30% - o dobro de países como Finlandia ou Austria. É curioso no entanto que dois países sob a egide monetária do BCE – Alemanha e França – são hoje considerados a par do Japão, os mais seguros do mundo.
Já para não mencionar o dobrar das regras como, permitir que os bancos usem depósitos para financiar as suas divisões de investimento, ou que possam financiar em mais de 10% as suas filiais ou, aceitar como colateral para empréstimos de liquidez todo o tipo de activos abaixo de investment grade (abaixo de rating AAA para os não economistas), tornando o balanço da Fed num autentico “show de terror” (também conhecido com “armazém de lixo tóxico).
No que diz respeito à recessão americana versus recessão europeia: que vamos ter uma, ninguém contesta. Agora, argumentar que a deles vai ser melhor é no minimo falacioso. Estamos a falar de um país com 0% poupança, sobre endividado ao resto do mundo, com deficits gemeos. E a verdade é que a actual politica da Fed conduziu a maiores taxas de juro – seja nos EUA, seja no exterior a emprestar aos EUA, com um maior premio de risco. Estamos longe do fundo na habitação, os inventários de casas não vendidas estão em máximos históricos.
Do lado europeu, embora com problemas – em especial o “Clube Med”, cuja responsabilidade económica e fiscal foi próxima de nula – a verdade é que:
- Os problemas no sector bancário estão a ser resolvidos pelo BCE com injecções de liquidez (o que não quer dizer que o BCE não tenha razão quando afirmou na última reunião que não está disposta a aceitar “lixo” como colateral, ao contrário da Fed),
- Taxas de juro a 4% quando a headline inflation está a 3,8% não é uma politica restritiva,
- Os dados vindos da Alemanha este mês indicaram um abrandamento muito menor que o esperado.
Existe também um ponto onde discordo totalmente consigo: a utilização de taxas de juro para impedir recessões. Isso seria o equivalente a fazer um contra fogo com Napalm, no meio do pinhal de Leiria.
Na minha humilde opinião, a questão central numa recessão é a dor que implica.
Os agentes (alias, os seres humanos) só aprendem com os erros, quando estes inflingem dor. Senão, estamos a reforçar o processo mental do erro - psicologia 101: o cerebro é preguiçoso e reforça actos repetitivos se não vir mostras de falha no processo - falha essa que é tomada visivel ao mesmo pela via DOR (não me estou a refirir a dor fisica ou ir parar debaixo da ponte, obviamente).
É o mesmo com a poupança: as pessoas só aprendem a poupar "depois" de passarem dificuldades e se virem forçados a reavaliar as suas prioridades – algo que por exemplo em Portugal estão um pouco... trocadas.
É exactamente por a Economia ser feita de pessoas que o processo de transmissão de dor (vulgo, recessão) não deve ser evitado (embora deva ser minimizado... subsidio de desemprego é sempre preciso, ninguém quer ver pessoas debaixo da ponte). Se fossem robots bastava programar a taxa de poupança e consumo e deixar um programa fazer o processo de feedback.
Alias, despejar dinheiro em cima de um problema que começou exactamente por excesso dele é no minimo irresponsável. Vejamos por exemplo a AIG, para quem não percebeu o que se passou:
O problema da AIG, e das seguradoras em geral, é que o business model deles acenta no alinhar de activo e passivo. De forma simplista, temos um stream previsivel de "claims" (seguros a pagar) e temos cash flow na forma de premios. Pegasse nos premios e procurasse activos seguros que dêm um cash flow que seja igual ou semelhante às claims (dai nunca irem à falencia... é o melhor negocio deste planeta). O problema foi que em 2002/2003 as obrigações estavam com taxas de juro enterradas no chão porque Greenspan desceu as taxas até 1% (para impedir a recessão, dirão alguns). Não havia obrigações "seguras" para fazer o match dos passivos e cash flows, logo eles meteram-se em CDOs e MBSs (o que explodiu em agosto) e começaram a emitir seguros sobre obrigações (credit default swaps, um mercado que NÃO devia ser Over The Counter, e aqui temos uma enorme falha de regulação!!!)... o resto é mera consequência.
E para quem está a pensar, “então a solução é fazer nada?”:
A alternativa? A ir por uma solução "social" (ou seja, não estando disposto a deixar o mercado corrigir sozinho, o que pode ser "violento", como deixaram na Coreia do Sul) então que se faça como os suecos no inicio dos anos 90 - eles tiveram uma crise semelhante:
1. Todos os bancos foram informados que tinham x dias para revelar TODAS as perdas;
2. Avaliar quem precisa e deve ser salvo e quem deve falhar;
3. Quem é salvo, é "nacionalizado", o dinheiro inserido dos contribuintes torna-se acções, os restantes accionistas são "limpos do mapa";
4. Limpasse a loja, partindo em bocados quem é grande demais;
6. Deixasse o mercado limpar o resto;
5. Voltasse a privatizar - se tudo correr bem o contribuinte ainda acaba a recuperar/ganhar dinheiro, como aconteceu na suécia...
Isto aconteceu em 1992, se não estou em erro. Curiosamente não ouvimos falar em bancos suecos no Subprime.
E não foi preciso sobre-regulamentar os bancos, apenas inflingir dor no processo "de salvamento". Não se devem dobrar as regras. Não se deve distorcer as normais decisões de investimento e poupança. A salvar, não se devem enfraquecer as instituições mais fortes para impedir que as mais fracas falhem - senão arriscaste ao fenómeno japonês: de 94 a 96 forçaram casamentos, em 97 aperceberam-se que já não havia instituições "fortes" e que tinham enfraquecido o sistema no processo - e os fortes casados tornaram-se grandes demais para falhar. O sistema teve de ser salvo por inteiro. 15 anos de "estagnação" e taxas a zero por cento foi o preço do erro (e é publico que eles admitem que foi um erro!).
Por tudo isto, eu pertenço aos (poucos) que afirmam: Graças a Deus que neste momento temos alguém com coragem à frente do BCE!!"
quinta-feira, maio 29, 2008
Afinal a culpa é dos especuladores? (II)
Paremos dois segundos antes de nos atirarmos à goela do "grande capital" para observar a produção mundial de crude. Actualmente esta está nos 85 Milhões de Barris por dia, mas é preciso não esquecer que à medida que este vai sendo extraído, os poços perdem produtividade - por exemplo por menor pressão dentro do mesmo. Esta perda de produtividade é, em média, cerca de 4,5% da produção.
Isto significa que só para manter a produção constante, tem de ser colocados em operação novos poços capazes de compensar esta perda de produtividade. Colocando a coisa de outra forma: para manter a produção constante é preciso todos os anos, novos poços que debitem um total de 3.8 milhões de barris por dia.
Isto leva-nos a uma "pescadinha de rabo na boca": à medida que aumenta o consumo mundial a oferta mundial de crude tenta acompanhar aumentando a produção, mas isso implica que o valor de novas reservas necessárias para compensar a perda anual de produtivade aumenta também. Num recurso finito - nem precisa de ser escasso - este processo tem invariavelmente um fim: um "planalto" de produção, ou seja, um ponto a partir do qual a produção mundial deixa de subir.
Um segundo problema com a produção actual de crude é uma sigla chata: ERoEI - Energy Return on Energy Invested. Ou seja, qual é o ratio de energia que eu extraí face à energia que eu usei para a extração. Quanto maior o ratio melhor: o objectivo é eu ter o maior valor possivel de "energia liquida", em especial tendo em conta que estou a remar contra uma maré de "4,5% nova produção necessária só para manter as coisas constantes"...
O problema é que nós já usámos a grande maioria dos "bons poços" - do "light sweet crude oil", o facil de refinar - onde o ERoEI era igual ou superior a 100. Por comparação, extração das "areias de alcatrão" do Canadá tem um ERoEI de 5, o que quer dizer que consume-se 20 vezes mais energia a extrair este crude. O ERoEI do ethanol, por exemplo é 1.2. O mesmo se aplica ao crude mais pesado (Sour crude iraniano, Venezuelano, Brasileiro, Saudita, etc) que exige mais energia na extração e refinação. (Daqui virá o argumento para o post seguinte: o facto de também não ser bom para a indústria - Galp, BP e afins - que a energia dispare sem controlo)
Outra questão curiosa é que os países produtores e exportadores estão hoje mais ricos. Por cada 10 USD de súbida do preço do barril, os paises do Golfo ganham mais 57 mil milhões de USD. A Rússia mais 25 mil milhões de USD, 10 mil milhões para o Irão e 8 a 9 mil milhões USD para a Noruega e a Venezuela. Estes países - com a excepção da Noruega - hoje estão mais ricos e têm mais dinheiro para consumir. Regra geral, maior consumo implica maior gasto energético, e isso ocorreu: hoje estes produtores consomem mais energia que à 30 anos atrás, pelo que exportam menos para o resto do mundo.
Isto quer dizer que além do aumento do consumo da OCDE e dos países emergentes como a China, India, Brasil e outros, os países exportadores exportam hoje menos, porque parte da produção "fica em casa". Além do mais, para produzir crude eu consumo hoje mais crude do que consumia à 35 anos atrás. Em cima de isso tudo, tenho que também compensar a perda de produtivade dos poços com 3,8 milhões de novos barris por dia, usando para isso poços novos mais caros de explorar e menos eficientes do ponto de vista energético.
A isto chama-se "Peak Oil", e é a justificação para um facto que (finalmente) se tornou por demais evidente e inegável: a produção mundial não só está num pico como tem estado constante face a uma procura crescente e prevê-se - estimativas optimistas - que a partir de 2012/2015 a produção mundial comece a decrescer...
continuam admirados com crude a mais de 100 USD?
quarta-feira, maio 28, 2008
Afinal a culpa é dos especuladores?
É verdade que existe alguma especulação no mercado de crude em particular - e commodities em geral - mas é preciso ter algum cuidado quando avaliamos o seu impacto. Em primeiro, temos de distinguir os dois tipos de especuladores presentes no mercado: o "trader" tradicional e o "index replicator".
O trader tradicional não têm grande impacto no preço. Simplesmente toma a contra-parte dos produtores, que na grande maioria estão normalmente "liquido curtos" - dado que produzem X commodity, vão ao mercado, vendem o contrato de futuros do mês que querem e "fixam o seu lucro". Este tipo de especulador é price sensitive, toma o risco que os produtores não querem, e dado que opera longo e curto, fornece liquidez ao mercado. O problema está nos Index replicators. Estes fundos basicamente replicam indices de commodities - como o Goldman Sachs Comm. Index, o AIG Comm. Index ou o Reuters CRB - e alocam grandes quantidades de capital às mesmas. Estamos a falar, por exemplo, de fundos como o Calpers - fundo de pensões da California, o maior do mundo com 200 mil milhões USD sob gestão e que recentemente alocou 2% dos seus activos a este mercado. O mero tamanho destes "meninos" torna-os largamente price insensitive com um problema acrescido: a sua metodologia é buy and hold, ou no caso dos futuros, comprar um contracto e fazer roll over ad eternum no que se chama um calendar spread. Ao todo estes "meninos" contabilizam 250 mil milhões de dólares para cima do mercado de commodities - que encaram como activo financeiro - e dado que são buy and hold não criam liquidez, muito pelo contrário extraiem liquidez do mercado...
Mas se a história acabasse aqui estava tudo muito bem: bastava correr com os especuladores. A questão é que a história não acaba aqui!
O crude oil transaccionado em NY na NYMEX é o West Texas Intermidiate, também conhecido com "light sweet crude oil". Este crude não só é menos denso - logo mais facil de refinar - como tem um baixo nível de "enxofre" baixo - normalmente abaixo dos 0,5%. Apenas 25% da produção mundial é de "light sweet crude", e cerca de 1/2 disso fica em casa - por exemplo a China produz "light sweet crude oil". Por contraste existe o "sour crude oil", mais pesado e com maior percentagem de enxofre - Por exemplo, o Irão produz crude com 2 a 3% de enxofre.
E porquê esta explicação do "enxofre no crude"? Porque nos EUA, Canadá e UE foi implementada regulamentação ambiental que obriga as refinarias a produzirem diesel com baixo teor de enxofre, logo elas preferem o WTI por ser de origem mais baixo. A maquinaria para "retirar" enxofre do "sour crude" é cara, logo a procura por este é inferior - por exemplo o Irão tem super petroleiros no Golfo Persico com "sour crude oil" à espera que alguém compre, a Arabia Saudita está a vender "sour crude oil" com descontos de 11 USD face ao preço do WTI. Isto quer dizer que o efeito "substituição" entre o WTI e o "sour crude" é muito pequeno - cerca de -0.02 de acordo com estudos efectuados. Ao todo o mercado de WTI têm 20 milhões de barris/dia transaccionados.
Traduzindo por miudos: se retirarem 1% do WTI no mercado, os preços têm de subir 25 a 40% para o mercado ajustar. E desta vez não são os "especuladores" que estão a tirar o WTI do mercado, mas sim o Dep. of Energy dos EUA. Em Agosto de 2007 eles reiniciaram o abastecimento das reservas estrategicas de crude - e só pararam agora. Eles comprar sensivelmente 1 barril de WTI por cada 2 de "sour crude". O problema é que o efeito global foi retirar quase 0,8% do mercado de WTI - que tem procura rigida via regulamentação ambiental - ou seja, o "stock pilling" do DoE foi responsável por 15 a 20 USD de súbida.
Infelizmente a história ainda não acaba aqui... algumas companhias aereas - Air France-KLM/Southwest Airlines/... - fizeram "hedge" à subida e conseguiram "fixar o custo à voltas 51 USD/barril". Como? Simples: comprar call options sobre futuros de crude com strike a 51 USD. Ora quem vende a call option tem o risco de, se o preço subir fica a perder dinheiro, pelo que tem de fazer "delta hedging" - neste caso ir ao mercado comprar o subjacente à medida que ele sobe. Isto quer dizer que este "delta hedging" age como um "magnificador" do movimento: quanto mais sobe mais hedging é feito a preços mais altos.
O mesmo aconteceu quando quando os produtores fizeram hedge da produção comprando puts - aqui o raciocinio é o contrario: quem vende a put tem de ir ao mercado vender futuros à medida que o preço desce, o que levou o crude por exemplo aos 51 USD...
Mas, heis que a história AINDA não termina aqui: Inventários privados. As empresas, em especial refinarias e afins, fazem inventários quando isso lhes é rentavél, ou seja o lucro cash and carry - ou seja, comprar spot/vender futuro, ficar com a diferença - é positivo e maior que os custos de financiamento/armazenamento. Ora desde Agosto temos tido um pequeno problema: não só o custo de financiamento de todos os mercados aumento (via venda de 10Year Notes do Governo, injecções das mesmas nos bancos, e o unwind dos hedges às MBS que eram feitos comprando tresurys, e que vão sendo "desfeitos" - aka vendidas - à medida que estas descem de preço, aumentando as taxas de longo prazo) como a taxa de retorno de "Cash and Carry" virou negativa. Logo, o expectavel aconteceu: os inventários começaram a diminuir pelos que em vez de comprar spot e vender futuro, as empresas passaram longas no futuro, puxando o preço para cima...
Depois existe a questão da procura: embora esta tenha sido reduzida na OCDE - grande parte via a relutancia dos paises desenvolvidos em interferir e baixar impostos - o mesmo não acontece nos paises emergentes. A China, por exemplo, tem preços controlados, pelo que a procura manteve-se articifialmente alta face a um aumento NÂO SENTIDO pela China. Embora muitos paises comecem a não ter dinheiro para suportar este "congelamento", a China ainda têm, pelo que a procura está "artificialmente" alta nos mercados emergentes.
E por último: produção. Produzir crude não se resume a descobrir um poço e cavar um buraco no chão. Existe um "lag time" entre a descoberta e a efectiva "operacionalidade do poço". Existe também outro problema: Nós estamos habituados ao "crude árabe". Este custa cerca de 10 USD/barril para extrair - a teoria "cavem um buraco no deserto e sai petroleo". Extracção nas Tar Sands do Canadá já é mais cara: cerca de 40 USD. Mas as maiores "novas reservas" do mundo estão neste momento na América do Sul: Brasil e Venezuela. Ora o crude venezuelano(do Orinoco por exemplo) não só é mais denso - mais caro de refinar - como é mais dificil de extrair - custando cerca de 60 USD/barril. O crude brasileiro, com as novas reservas que se suspeita sejam baotante grandes têm um problema: é "deep sea drilling", e como calculam é mais cara prefurar a maior profundidade no meio do Atlantico a maior profundidade, do que no meio do deserto. Um barco para começar prefuração em mar alto custa 600 mil USD/dia de aluguer verus 125 mil USD/dia à 4 anos atrás - e não há muitos.
Resumindo e baralhando:
Mesmo descontando os 15 a 20USD via DoE e os 15 a 20 USD via grandes fundos replicadores de indices, ter crude a menos de 75USD quando as grandes novas reservas custam 60 USD a tirar é um sonho. E para chegar aos 75 USD precisamos de quebras de consumo, que não estamos a verificar em grandes países emergentes como a China, pelo que se calhar é melhor não contar com crude a menos de 100 USD. E não estou a ter em conta o "prémio de risco politico" - aka Irão querer armas nucleares por exemplo - a Nigéria a sabotar poços ao mesmo tempo que inventa impostos retroactivos para cobrar à Shell/BP para financiar a petrolifera estatal que tem que colocar dinheiro nas parcerias com a Shell/BP ou o mero efeito "descida do USD" ...
segunda-feira, novembro 05, 2007
"É a inflação, estupido"
Vamos ser um pouco cínicos e advogados do diabo por uns minutos. Comecemos pelos números do "emprego". 116 mil novos postos de trabalho criados na economia norte-americana, acima das expectativas. Mas vamos colocar os números em contexto: Dos 116 retirem 36 mil postos de trabalho adicionados via Estado Federal norte-americano, ou seja, mais funcionários públicos. Sobram 80 mil, dos quais 50 mil são contabilizados como "Lazer e hotelaria". Para os mais incautos: é aqui que se insere trabalhos como servir às mesas em restaurantes. Dos restantes 30 mil, cerca de dois terços são professores - isto no mês em que as escolas começam as aulas. Curioso. O sector industrial perdeu empregos liquidos. O sector financeiro perdeu empregos liquidos. O sector tecnologico idem idem aspas aspas.
"Pera ai... então as pessoas estão a ser despedidas das grandes industrias e bancos e a arranjar emprego a servir à mesa?" - basicamente, sim! Alias, visivel pela média de remuneração horária recebida, que desceu.
"Mas olha lá: 3,9 por cento de crescimento! não há grande volta aqui a dar" dirão os mais "bulish". Bem, tecnicamente até à grande volta a dar. Mas antes disso, vamos a uma pequena distinção que os economistas fazem e se esquecem de explicar: Nominal vs Real. Eu posso medir o PIB em termos nominais, ou seja, crescimento de um periodo ao outro, simples. O problema é o nivel de preços. Se as coisas crescem e os preços crescem no mesmo valor, eu fiquei na mesma. Pelo que eu, enquanto economista, deflaciono quantidades nominais - usando um indice de preços chamado "deflator do PIB" - para chegar ao crescimento real. Um mera brincadeira matemática: dividindo o crescimento nominal pelo real dá-me o deflator implicito nas contas.
O crescimento nominal dos EUA no 3Q foi de 4,7 por cento, ABAIXO das expectativas - que eram de um crescimento nominal de 5,1 por cento. Ora 1,047/1,039 (os 3,9 por cento foram supostamente crescimento real) = 0.0078. Ou seja, o deflator do PIB implicito, que mede o indice de preços do periodo foi de 0,8 por cento. "Por isso é que a Fed baixou as taxas de juro. Não há pressões inflacionistas na economia e a malta que faz as contas nunca iria usar um deflator baixo de proposito se não fosse a inflação real, certo?". Bem, errado. Os EUA usam a "core inflation", que desconta "food" and "energies", ou sejam, mede tudo o que quizerem menos inflação. E se forem ver a inflação média dos últimos 7 trimestres - e a inflação exibe caracteristicas reversivas à média, tal como a volatilidade - é de 3,1%. Ora vamos la ver o que acontece ao PIB real com uma inflação média de 3,1%. Opps. 1,047/1,031 - ou seja estou a "deflacionar" preços - é igual a 1.55%!
Vamos a um exemplo idiota: 10 "bloggers" compram 1 pacote de açucar cada um. O pacote de açucar, por idiotice, custa 1 euro. Esta "mini-economia" tem a rubrica de consumo privado com 10 euros (10 "bloggers" a comprar 10 pacotes de açucar ao todo, a um preço de 1 euro/pacote). O açucar aumenta 10%, e custa hoje 1,10 euros. Os mesmos 10 "bloggers" gastam agora 11 euros em consumo privado, mas eu enquanto economista não deflaciou-no estes 10% porque a minha medida de inflação não tem o preço do açucar ("core inflation - sem "food" e "energies"), pelo que o PIB aumentou magicamente 10%!! Isto é pura inflação não contabilizada...
Voltando aos USA. O consumo privado aumentou, mas aumentou quando tudo quanto era energia e soft commodities está a ir em direcção à lua. Mas esses não entram na inflação pelo que qualquer estatistica de crescimento vem "enviesada", e os valores reais vêm "sobre-estimados".
"Mas olha lá! Por que raio é que vocês não contam com comida e combustivel na inflação lá nos states?" Bem a desculpa oficial é que os preços são demasiado volateis. O que nós economistas nos esquecemos de dizer é que é de todo o interesse de qualquer Estado que corra um deficit orçamental com divida publica ter inflação alta. Chama-se "senhoriagem" e age como um imposto. De forma simples: eu, Estado, peço emprestado 100 euros e pago 4%/ano e digo-vos "ah e tal, a inflação é 2%/ano" pelo que voçês são compensados. Mas se a inflação for mais alta, digamos 6%, então vocês estão a perder 6% e eu a pagar 4% ao ano. Ao fim de 10 anos (sim os Estados endividam-se a longo prazo) voçês precisam de 179 euros para comprar o que dantes custava 100. Mas eu paguei-vos de volta 148 euros. Vocês foram taxados em 31 euros pelo caminho e não deram por isso. Outra brincadeira fiscal é que activos financeiros, ou casas por exemplo, tendem a valorizar com a inflação. Compram uma casa por 100 mil euros. A inflação é de 6%. Ao fim de 10 anos vendem-na por 179 mil euros. Tecnicamente vocês não fizeram dinheiro, apenas mantiveram poder de compra. No entanto, o Estado vai-vos taxar esses 79 mil euros como "mais valia financeira". Dai a inflação servir de imposto e o Estado ter todo o incentivo de a ter o mais alto possivel sem a malta dar por isso...
Bem e como este post já vai longo - peço desculpa por isso - termino a dizer:
Cuidado com as estatisticas! Não há nada mais facil que manipular PIBs/inflação/emprego, e nem tudo vai tão bem como parece em terras de tio Sam. Mas isso fica para outro post
quinta-feira, outubro 25, 2007
Patinagem pouco artistica
Vejamos um pouco de história. Comecemos por 1929. Na década de 20, para quem não se lembra, a Europa tinha saído da Primeira Guerra Mundial e a potência da altura, o Reino Unido, estava com alguns problemas financeiros. Numa tentativa de restablecer o poder da Libra o Governo britanico regressou ao padrão ouro - com as objecções de um conhecido economista chamado John Keynes. A Fed, criada à muito pouco tempo, e por isso inexperiente, acedeu ao pedido do BoE: suportar a política britânica de uma Libra forte. Problema técnico: na altura o UK corria um enorme deficit comercial perante o maior credor do mundo - com grandes taxas de poupança - os EUA, que tinham um enorme excedente da dita balança comercial. Ditam os canones da política monetária que, perante deficits de balança comercial os câmbios dos devedores devem descer, não ser sustentados como "moedas fortes". Escusado será relembrar como a economia, esse "bicho mau", decidiu tratar do desiquilibrio.
Fast forward - os 80's. Grande década - boa música, algumas boas invenções pelo caminho. Também foi uma década de estagnação. Os EUA estavam com a política do "dólar forte", a correr um enorme deficit comercial e o grande "papão" do momento, e credor do mundo, era o Japão. Tal como os EUA fizeram 50 anos antes, o BoJ apoiou a política do "dólar forte" - ou talvez a politica do "yene fraco" para aumentar aas exportações - contrário ao que devia acontecer pela força do mercado dadas as balanças comerciais dos dois países. Escusado será também lembrar o que aconteceu à bolsa, e à economia americana, com essa brincadeira. A única diferença foi que não foi um "crash global" como 29.
Agora o pensamento para o dia de hoje: Troquem o Japão pela China. Juntem-lhe uma bolha de liquidez criada por poupança excessiva na China, um banco central chinês inexperiente teimoso em não deixar a moeda avaliar - à semelhança do BoJ - e um Tresury americano teimoso no "dólar forte". Juntem um BoJ apoiante dum "dólar forte" de modo a criar um "yene fraco". Quanto mais tempo deixarmos que estes desajustes não sejam corrigidos pela via cambial, e portanto que os respectivos Bancos Centrais deixem de brincar no mercado câmbial, maior o impacto do ajuste. Isto não é "alta teoria monetária". Isto já aconteceu por duas vezes no século passado e as consequências foram sempre as mesmas...
terça-feira, outubro 09, 2007
Um mini-crash... da teoria financeira
O problema muito grave que se passou em Agosto é que do ponto de vista dos modelos usados, fazia sentido! Aquela semana de Agosto foi a simples consequência de todos usarem vários modelos que, embora tecnicamente convenientes são irreais.
Passo a explicar:
Os economistas modelam o mercado como uma curva normal (aka curva de Gauss). Esta curva tem uma particularidade muito muito apelativa: variância finita, ou quantificável por um processo estocástico - função matemática em que tens um termo determinativo e um segundo termo aleatório.
Por exemplo, o S&P500. A média histórica da sua volatilidade, medida aqui pelo desvio padrão, é cerca de 1,4% ao dia. Ora, a curva normal é simétrica em relação à média, logo é 1,4% para cima e para baixo. O Teorema do Limite Central(TLC) diz-me que todo o evento aleatório tende para a normal, logo tende também para a sua média. Ora eu faço um portfólio muito giro de CDO - papel comercial em que a garantia é uma tranche dum empréstimo por sua vez garantido pela casa. Agora vamos à gestão de risco. Ora, eu sei, outra vez pelas aulas de estatística, que com digamos 5 desvios-padrão tenho 99,995% dos casos possíveis cobertos. Ora, 5 desvios-padrão no S&P500, por exemplo, é 7%. A probabilidade da ocorrência dum evento acima de 5 desvios é de um em um milhão, logo o meu risco é pequeno. O meu hedge fund alavancado com dívida de curto prazo baseada nessas mesmas CDOs tem um VaR (Value at Risk - valor máximo que eu perco numa variação extrema do mercado com base num intervalo de confiança estimado duma curva normal) é pequeno. Eu não vou à falência.
O problema claro está é que o mercado não é normal. A distribuição a olho nú é semelhante mas não é igual. Estudos levam-nos a concluir que o mercado tem uma modelação semelhante a uma distribuição de Levy ou de Pareto. Problema tecnico: estas duas distribuições não tem variancia finita. Eu não posso fazer um VaR ou mesmo um Sharpe para vender o meu fundo!! E pior, são mais dificeis de manipular matemáticamente. Logo, enquanto economista, ignora-se este facto com base no TLC: no longo prazo a curva vai ser normal. No entretanto não interessa.
O problema com as duas distribuições acima mencionadas é que a sua kurtosis é maior, ou seja, as abas da curva são mais altas, e portanto a probabilidade de eventos de grande risco é muito superior ao previsto! Mas mesmo admitindo que isso podia acontecer (basta ir andando de 10 em 10 anos para trás até 1987, não é preciso ir mais longe!) argumentou-se que, estatisticamente os maus resultados não se agrupam pois SÂO INDEPENDENTES!
Agora um pouco de bom senso: Se todos usamos os mesmos modelos, todos vamos ter os mesmos problemas, todos vamos ficar agarrados com pedaços de papel que não valem nada, a perder 50% do fundo e com margin calls! Logo temos todos que vender activos, seja acções ou obrigações, liquidos para cobrir as margens e esperar que o mercado volte ao normal. O problema é que estamos todos a "desalavancar" ao mesmo tempo! Os maus resultados agruparam-se em cluster e quanto mais vendes mais o mercado desce e mais toda a gente que não estava envolvida vende! Naquela semana as correlações normais foram ao ar! Tudo descia excepto US T-bills a 1 ano!...
Isto mostrou o efeito "sistemico" que uma "desalavancagem" pode ter no mercado. Este problema já se tinha visto no mundo das opções: O modelo básico para fazer pricing de opções parte desse pressuposto de normalidade e volatilidade constante. O que se verifica é que a volatilidade não é constante para os vários strikes e, se o mercado for modelado por uma variancia não fixa, então não hedging perfeito - não te consegues proteger usando o modelo. É curioso que tudo aquilo aconteceu no mês em que o maior crash de sempre da bolha das dot.com saiu dos modelos estatisticos que vão buscar dados a 5/7 anos.
A moral da história é: A teoria distanciou-se da realidade e envolveu tanto dinheiro e ganancia que se tornou muito perigosa, mas a economia não é uma ciencia é uma religião e o que eu estou aqui a dizer é considerado heresia.
segunda-feira, outubro 08, 2007
teorias financeiras...
Passo a tentar explicar, para os "não economistas":
Imaginem um bebado a percorrer uma rua. Obviamente que o rapaz não consegue fazer uma linha recta, e vai circulando entre o passeio esquerdo e o passeio direito. E como está bebado, decide escolher o passeio com base no lançar duma moeda (bebedeiras dão nestas coisas): se sair coroa ele vai para o passeio esquerdo, se sair cara ele vai para o passeio direito. Ora a probabilidade de sair cara ou coroa, como se sabe, é 50 por cento para cada lado. Ou seja é igualmente provável que ele oscile para a esquerda ou para a direita.
Ora este exercicio simples, quando posto num grafico e analisado matemáticamente tem caracteristicas interessantes:
1. Os movimentos para a esquerda e para a direita são independentes, ou seja, estamos na presença do que se chama uma cadeia de Markov - o passado não afecta o presente;
2. No limite, a distribuição dos resultados é a curva de Gauss, com média e variancia finitas.
Ora tudo junto isto dá ao que chamamos o movimento browniano geométrico, e é com isto que os economistas modelam o mercado e é a base da hipotese dos mercados eficientes, seja qual a forma que escolham (temos a fraca, a forte e a muito forte - para todos os gostos). Dai a posição da análise fundamental: Market timming é tão útil como lançar uma moeda ao ar e escolher compra/venda consoante se tenha cara/coroa - tal como o bebado escolhe esquerda ou direita. O que interessa são os fundamentais: se o plano é bom, a gestão é boa e a empresa é solida, então irá criar valor e isso ir-se-á reflectir no longo prazo. E, mais importante, dado que o mercado é gaussiano, a probabilidade de perda ao investir em acções é quase nula e a rendibilidade tende para a média - efeitos do famigerado Teorema do Limite Central.
Todavia, a análise técnica viola o principio base do movimento que os economistas usam para modelar o mercado: os vários niveis de preços NÂO são independentes. Dai o analista técnico tentar extrair informação com base no passado por meio de indicadores. A não independencia também causa que eu posso escolher o "momento de entrada" e que não é igual a lançar uma moeda ao ar, ou seja, uma entrada aleatória. De acordo com as premissas base, padrões passados tendem a repetir-se, tendencias tendem a perpetuar-se - ou seja movimento persistente de Hurst, e não, como preveria as bases estatisticas da análise fundamental, reversivo à média.
Bem, e como o post já vai longo (e peço dsk por isso), por aqui me fico, embora se pudesse continuar a "dissertar" sobre a "anormalidade dos mercados" - estilo eventos que a curva diz só ocorrem de 10mil em 10mil anos acontecerem 3 dias seguidos em Agosto.
sexta-feira, outubro 05, 2007
Sub...quê?
Os mercados monetários ainda nao acalmaram. Os spreads aumentaram e vao aumentar. Tendo em conta que a maior parte das empresas tem os balanços alavancados com divida a taxa variavel a 6 meses isso não me parece muito bom. Os bancos estão a vender os 200Bn$ em divida prometida a LBOs/M&As a "discount", para se desfazerem daquilo do seu balanço. E, sinceramente, quando se começa a ler que "este é um novo bull market" [Bespoke Investment Group e McKinsey] ou quando más noticias são motivo para comprar acções[UBS/Citi/etc] eu preocupo-me.
Quanto aos "pelintras dos americanos". Não digo que são pelintras, mas que estão hiper-endividados estão. E enquanto a Asia continuar a reciclar o seu super-avit da balança comercial de novo em dólares, na sua maioria canalizados para o mercado obrigacionista americano, os USA podem dar-se ao luxo de correr defices gemeos com poupança negativa. É o equivalente a um cartao de crédito platina com plafond ilimitado. Pelo menos até ao dia.
Olhem a Asia: Hang Seng subiu 25% num mês. Sustentável? Shangai continua a fazer máximos históricos numa bolha que mais faz lembrar o Japão nos anos 80, e todos sabemos o que aconteceu ao país onde, a certa altura, o m2 ao pé do palacio imperial valia mais que Manhattan inteira.
Acredito que aja mais ganhos este ano, mas também acredito que vamos dar um tombo e apetece "vender" mas ai lembro-me sempre de keynes:
"Os mercados conseguem ficar irracionais mais tempo que os investidores solventes".
quarta-feira, maio 02, 2007
Vou emigrar
segunda-feira, abril 16, 2007
O elogio da loucura ... judicial
Se um produto financeiro, como um fundo de investimento, é caro porque cobra comissões mais altas que os concorrentes, se um depósito a prazo tem por detrás um investimento em fundos em mercados emergentes ou se um banco está a obrigar os clientes a adquirir outros produtos do seu grupo em troca do crédito (prática ilegal) é a minha obrigação divulgar e fundamentar.
A grande protecção de um jornalista, quando divulga uma notícia é saber que, se disser a verdade, então está protegido, por lei. O meu primeiro director ensinou-me uma regra que nunca esquecerei: a regra das "três aspas", ou seja, procurar sempre três fontes diferentes, identificá-las, e nunca basear o artigo na minha opinião. "Não coloques a tua cabeça no cepo" dizia-me. Esta máxima - chamem-lhe "regra das três aspas" ou outra coisa qualquer - é uma das bases de todo o jornalismo.
O diário "O Público" decidiu públicar uma história onde refere que o clube de futebol "Sporting" devia dinheiro ao fisco. O "Sporting" negou a acusação e processou o jornal do "difamação". Depois de duas decisões que davam razão ao jornal, por ter públicada uma notícia verdadeira, vem o Supremo Tribunal de Justiça condenar o jornal "O Público" a pagar 75 mil euros ao clube de Alvalade. A basear a sua decisão não está a falta de veracidade da noticia. Alias, "é irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o seu crédito ou a reputação do visado", lê-se no acórdão.
É curiosa a jurisprudência que está a ser feita: o bom nome de uma instituição está acima da verdade. Não interessa qual a verdade em causa. Segundo a teoria dos juizes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, casos como o famigerado "Watergate" nunca viriam a público: o artigo do Washington Post feria o bom nome de uma das maiores instituições dos EUA, a presidência daquela República. As publicações feitas sobre a falta de verdade dos relatórios da CIA sobre o Iraque nunca seriam públicados, pois ferem o bom nome da instituição.
Tão curioso é o facto de o Supremo Tribunal de Justiça versar sobre a "utilidade pública" da notícia em questão: "não havia em concreto interesse público na divulgação do que foi divulgado", refere o famigerado acordão. É inacreditável ver uma das mais altas instâncias judiciais do país considerar que, noticiar que uma instituição não está a cumprir com as suas obrigações fiscais para com o Estado, ou seja, todos nós, não tem "concreto interesse público".
No momento em que se fala de "independência da imprensa" e das "pressões das instituições públicas" sobre os jornalistas, como é que se pode esperar que um jornalista revela algo verdadeiro, fundamentado e com fontes crediveis, se "é irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico para que se verifique a ilicitude".
Hoje, não só somos nós que temos que pagar as indemnizações do nosso bolso (e não a empresa que está por detrás da públicação) como ficamos sem a última protecção que nos restava para o exercicio das nossas funções?
segunda-feira, março 26, 2007
E o grande vencedor foi... Salazar
Foi Salazar importante? Para bem e para mal foi. Foi um ditador, o regime era fascista, a opinião política era perseguida. Também foi ele que sanou as contas públicas, electrificou a maior parte do país, fez várias infra-estruturas necessárias e manteve-nos fora da II Guerra Mundial. Não foi o Diabo na Terra. Dai a ser o maior português de sempre... vai uma grande distância.
Álvaro Cunhal também não merece o lugar que teve. Opositor do regime de Salazar, é verdade, tinha um objectivo em mente: substituir um regime ditatorial de direita por um regime ditatorial de esquerda. A memória é curta, e já todos se esqueceram das inúmeras tentativas de golpes, que culminam no 25 de Novembro. Também é curta, a memória, ao esquecer que o Dr. Cunhal foi o único líder comunista do “ocidente” que aprovou a invasão de Praga pelos tanques soviéticos, para por fim à “revolta democrática”.
Em tão ilustre companhia, é curioso ver a decisão do povo português. O nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, tem o mérito de, contra Castela, os nobres galegos e a própria mãe, concretizar o sonho do seu pai: um reino independente, que ainda hoje subsiste, um dos mais antigos da Europa, é preciso relembrar.
Mas em quase 900 anos de Portugal, por dois períodos fomos um exemplo para toda a Europa. Pela mão de Sebastião José de Carvalho e Mello, vulgo Marquês de Pombal, Portugal investiu em educação e tecnologia, reconstruiu a sua capital depois de um dos piores terramotos da história. Marquês de Pombal volta a colocar Portugal no mapa europeu.
Mas para mim, o maior português de sempre é sem dúvida alguma D. João II. Nenhum rei em Portugal tem um legado tão importante, e ainda lembrado, como este: 150 anos de domínio quase absoluto dos mares. É ele, enquanto ainda príncipe, que convence o pai, Afonso IV, o africano, a ir à conquista de África. É ele quem desenha as linhas mestras da estratégia dos descobrimentos portugueses. O seu irmão, o Infante D. Henrique, tem o mérito de concretizar o sonho do Rei, mas quem toma a decisão e estabelece o objectivo é D. João II. É ele que divide o mundo com os espanhois, que tentaram inclusivé pressionar o jovem rei português por intermédio do Papa, e fica com a melhor parte: África e Brasil. Graças à sua estratégia, brilhantemente concretizada pelo seu irmão, Portugal assume pela primeira vez o estatuto de super-potência. É a nação tecnologicamente mais avançada (a vela latina, as caravelas que podia navegar em alto mar, o nónio, a navegação pelas estrelas eram o equivalente aos computadores, satélites e vaivéns da NASA de hoje), comercialmente mais rica, e com o domínio dos mares. Lembrem-se que na divisão do mundo, os portugueses pagavam para atravessar o mar espanhol e vice-versa. Curiosamente Portugal não tinha disso necessidade (as rotas comerciais passavam pelo Atlântico, nosso), ao contrário de Espanha que pagava o tributo por atravessar as “águas territoriais” portuguesas.
O português é saudosista. Temos saudades do velho império. Somos um dos poucos povos do mundo que tem este estranho conceito de “saudade”. Talvez por isso Salazar tenha ganho: o que D. João II constrói é erguido ao conceito de valor máximo de Portugal por Salazar: Portugal projecta-se no mundo como o primeiro império intercontinental, apoiado na sua história e na unidade, de Trás-os-Montes a Timor. Como dizia Fernando Pessoa, outro dos ilustres finalistas, “Senhor, falta cumprir-se Portugal”.
quinta-feira, novembro 10, 2005
E assim se faz ciência...
terça-feira, outubro 25, 2005
Novo governador da Reserva Federal America: Ben Bernanke
Ben Bernake é um reputado economista, familiar a muitos alunos de macroeconomia e teoria monetária. É formado em Harvard e doutorado no MIT.
Actualmente a dar aulas em Princeton, é considerado pelos seus pares como ideologica e politicamente neutro, o que dá ao mercados a segurança de alguém que não segue uma bitola politica no que diz respeito à condução de politica económica e monetária.
Bernanke é um crente na estabilidade de preços, e tudo fará para a garantir, enquanto Governador da Fed. O homem que há muito avisa que o perigo da economia americana não é a inflação mas sim a deflação, anunciou que usará todos os instrumentos disponíveis ao Fed para garantir que tal não acontece.
Bernanke entra num momento em que os Estados Unidos enfrentam uma politica orçamental desastrosa e terá a difícil tarefa de bater o pé ao Presidente Bush, recusando-se a financiar pela via monetária o défice americano.
Entra também com a herança de dois homens que, antes dele, se sentaram na cadeira que ele hoje vai ocupar: Alan Greenspan e Paul Volcker. Estes dois governadores, considerados por muitos os melhores responsáveis da Fed do século XX, são os obreiros da estabilidade de preços americana e da credibilidade que granjeia a instituição nos dias de hoje. Por diversas vezes "bateram o pé" a muitos Presidentes, não financiado os défices dos governos federais. E por tal foram respeitados. Inverter esta tendência é não só economicamente mau mas como também significa enterrar uma herança preciosa, a credibilidade internacional que o Fed hoje tem.
Espero que estejam a brincar...
Eu espero que isto seja tudo uma brincadeira, de muito mau gosto.
Em primeiro lugar, os juízes são titulares de um órgão de soberania, um dos quatro constitucionalmente previsto (Governo, Assembleia da Republica e Presidência da Republica são os outros três). Como titulares desse órgão, administram um dos três poderes de um Estado independente, o poder jurisdicional. Fazerem greve era em tudo idêntico a assistir-mos a uma greve de deputados...
Em segundo lugar, temos a questão das razões da dita greve.
Peço desculpa mas o que é que a a suspensão da progressão automática da carreira, extinção do sub-sistema da saúde que lhes é próprio e redução de férias têm a ver com perda de independência?! Porque deverão os magistrados e juízes ter um sub-sistema próprio de saúde, quando todos os outros, inclusive membros do Governo e Primeiro Ministro partilham o mesmo sistema principal?
Tudo isto revolve à volta da questão de perda de privilégios e os Juízes portugueses demonstram nesta matéria um forte apego aos seus (privilégios entenda-se)...
Todo o País terá de fazer sacrifícios. Os juízes não constituem excepção.
Agricultores, protestos e secas...
Apenas coloco uma questão:
Onde estavam este manifestantes aquando da construção de "elefantes brancos" como a barragem do Alqueva? Porque não se manifestaram eles, porque não fizeram eles pressão para que o Estado melhorasse as infraestruturas publicas de apoio à actividade?
E mais importante ainda... quando Portugal recebia milhões da PAC(Politica Agrícola Comum), quando os agricultores se candidatavam a fundos e os recebiam, onde foi parar o dinheiro destinado à modernização da nossa agricultura?
Construíram-se vivendas, compraram-se "mercedes", agora queixam-se de falta de apoio?...
Desculpem-me a frieza mas começo a não ter pena de profissionais que entre investir e serem pagos para abater e acabar com produções, escolheram a segunda...
quarta-feira, outubro 19, 2005
Orçamento de Estado II: apartes
Um deles afirmou que discordava, pois sendo o Computador uma ferramenta essencial no século XXI, deveria ser subsidiada.
Realmente espantoso...
Alguém faz o favor de lhe explicar, que realmente uma dedução de 50% no valor dum bem, significa que o Estado devolve esses 50% após a cobrança do IRS, ou seja, trata-se na pratica de um subsidio!?
Ou há muita gente que não sabe fazer os seus impostos (razão para a enorme fuga ao fisco que temos?!), ou somos realmente um País de subsidio-dependentes!
Orçamento de Estado: e lá estamos nós outra vez
Não vou dissertar sobre como o fazer, pois acho tal discussão muito batida. Todos nós sabemos no fundo a solução, apenas a evitámos anos e anos a fio. Disserto sim sobre um tópico que me continua a desagradar na tributação portuguesa, e que se agrava com este orçamento: a irritante mania fiscal de se tributar poupança.
Qualquer estudante de macroeconomia, ou apreciador da disciplina, aprende e sabe de cor a seguinte equação:
Ao rendimento obtido, subtrai-se os impostos sobre o mesmo, ao que se obtém o rendimento disponível, ao qual se subtrai o consumo, obtendo-se por final a poupança ( S = (Y - T) - C, em que S = poupança, C = consumo, Y = rendimento e T = impostos sobre o rendimento). Note-se que C também é taxado. Agora a que me refiro eu quando digo imposto sobre a poupança, estarão a pensar? Refiro-me às seguintes tributações:
Imposto Sucessório, Impostos sobre operações em bolsa e tributação de pensionistas.
1. Imposto Sucessório:
Um dos mais controversos, tem como base de incidência a herança deixada a um herdeiro. Já para não falar na questão mais filosófica de eu ser livre para escolher o que faço ao meu dinheiro, e se acho que deverá ir para o meu filho, ninguém, nem mesmo o Estado, deve ter o direito de interferir nessa esfera de liberdade pessoal, o ponto é que esse dinheiro ou bens passados já foram tributados. Eu já cumpri as minhas obrigações para com o Estado, consumi, e o que sobrou vou passar ao meu herdeiro, ou seja, trata-se de poupança.
2. Impostos sobre operações em bolsa:
Outra coisa que se aprende com macroeconomia, ou por um simples exercício de pensamento lógico, é tendo eu pago impostos, consumido, e tendo sobrado uma porção do meu rendimento eu tenho 2 escolhas:
a) Deixa-lo na conta a sofrer a erosão da inflação, parado.
b) Aplica-lo num investimento financeiro.
Caso seja b) a opção, seja esse investimento uma simples conta a prazo, passando por aplicação num fundo de investimento até, caso a experiência o permita, investimento directo em bolsa, esses fundos irão ser fonte de financiamento para as empresas. A minha poupança será fonte de fundos para as empresas, por meio da intervenção de intermediários financeiros. Logo qualquer imposto que incida aqui, mesmo que legalmente não incida nesse rendimento mas nas empresas que fazem a intermediação financeira, economicamente ter-me-á a mim como tributado (as empresas empurram o imposto por intermédio de manipulação da estrutura de custos, de modo a incutir a taxa de imposto no preço do serviço). Logo estes impostos também tributam poupança.
3. Tributação de pensionistas:
A Segurança Social funciona segundo um modelo Pay-as-you-go, ou seja, eu pago, para financiar a geração que se está actualmente a reformar. Mas em teoria eu tenho uma garantia:
Aquele financiamento terá retorno, ou seja, eu terei a garantia de ter uma pensão, baseada na minha carreira contributiva. Logo a taxa de Segurança Social pode ser vista como uma forma de poupança coerciva, sendo que eu para efeitos práticos, sou forçado pelo Estado a por algum de lado para a reforma, sendo ele, o Estado, o fiel depositário dessa poupança. Logo ao taxar pensionistas, eu estou a tributar a poupança que eu, enquanto Estado, os forcei a fazer.
Por muito que o défice o exija, há princípios que não devem ser transgredidos. Um deles é este:
A base de incidência dum imposto não deve ser a poupança, pois esta é, por intervenção de intermediários financeiros, como bancos e correctoras, a fonte de todo o investimento numa economia (em Macroeconomia afirma-se mesmo a igualdade: poupança do Estado + Poupança das famílias + Poupança do exterior = Investimento).
Logo ao tributa-la eu estou na prática a tributar a fonte do investimento, motor de qualquer economia...